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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

PREFÁCIL DO MEU LIVRO "QUANDO AS PESSOAS TINHAM ALMA", A SER PUBLICADO EM 2012


Onde o leitor atento poderá ficar a par (com esmerado deleite) de os desígnios e esperanças por detrás de a pluma e nanquim d`este vosso honrado e versado autor
Saibam todos que “Quando as pessoas tinham alma” é o resultado de um projeto principiado em 2007 e finalizado em meados de 2011. No início, a idéia era realizar um romance comum (com começo, meio e fim), mas confesso não conseguir conceber nenhuma trama principal que fosse valer a pena, para depois centrá-la em minha obra e fazer com que todos os outros elementos (ação, cenários e personagens secundários) orbitassem harmonicamente em seu redor.

Mas... o quê poderia ser? Algum marginal seqüestraria a namorada do protagonista, e ele então sairia pelas ruas da cidade batendo em todos os delinqüentes que encontrasse, até finalmente resgatá-la e chegar ao beijo final? Penso eu já ter visto algo semelhante em algum lugar... Ou então Gustavo ficaria sabendo que ele era o “escolhido” para salvar a humanidade, mas a perda de seu amor e a transfiguração de seu rosto o transformaria em um tirano cruel com uma máscara preta e crises de asma... Não, isso é puro “Livro de Jó” ás avessas, bíblico demais para meu gosto... Ou então seria ele perseguido por dois bandidos (um seria franzino e malvado, o outro grandão e tonto), mas contaria com a ajuda de seu fiel cachorro, que de tão inteligente e astuto por muito pouco não anda sobre duas patas e recita aforismos em latin (pegaram o trocadilho?)... Não, não, lembra-me algum filme que vi na televisão aberta ás três, ou quatro horas da tarde.
Decidi, então, escrever o livro como se cada capítulo fosse um conto. Como cada dia da semana. Como a vida. Claro que tentei seguir certa cronologia, e que muitos detalhes estão interligados, ou seja, o leitor poderá ler qualquer capítulo a esmo se quiser, mas se seguir a seqüência normal do livro entenderá melhor o desenvolvimento da obra. Se optar por ler fora de ordem, apenas repare em os capítulos que estiverem como “parte 1 de 3”, ou “parte 4 de 6”, por exemplo: estes fazem parte de uma pequena trama cujos capítulos realmente estão interligados.

Quanto ao estilo, analisando-me agora mesmo enquanto escrevo estas linhas, percebo que talvez tenha predominado um tom um tanto quanto debochado (ás vezes sutil, ás vezes cáustico...). O proêmio e os epígrafes, por exemplo, foram escritos ao estilo grandiloqüente e heróico das obras literárias dos séculos XV, XVII, com muito brilho e estridência, mas de forma burlesca, satírica (como o próprio Miguel de Cervantes Saavedra também o fez...). Grande parte do livro manterá essa ironia. Aliás, um amigo meu chegou a me dizer que até mesmo as canções que eu compus são um tanto quanto sarcásticas... ele chegou a usar o adjetivo “escárnio”... Pode ser. Quando comecei a escrever (e pra falar a verdade, durante todo o processo), em nenhum momento cheguei a pensar em deliberadamente fazer um trabalho que fosse vertebrado pelo humor. Acabou vindo naturalmente quando - em meio a descrições de coisas absurdas e caricatas do dia-a-dia - era impossível para mim me manter passivo e não me manifestar com algum comentário “espertinho”. “O humor é o sorriso da rebelião”, como diria Miguel. Quem me conhece sabe que é impossível para eu não denunciar o ridículo e o nonsense do cotidiano, justamente porque são os elementos da vida que julgo os mais divertidos. E, também, é ótimo poder vingar-se de pessoas e coisas desagradáveis, ridicularizando-as e fazendo todos rirem delas. Meus “coleguinhas” da escola (em minha infância) me ensinaram muito bem isso, pondo-me apelidos pejorativos por estar cego do olho direito, e fazendo-me correr atrás de meu boné (que jogavam uns aos outros na hora do recreio) para tapar novamente a minha careca (que possuía por estar com câncer e submetido à quimioterapia). Resultado: Quando me tornei adolescente, fui para o fundo da sala de aula, comecei a me vestir de preto, ouvir rock, não falar com ninguém, e bater em qualquer um que me desse vontade. Apenas em um ano escolar (acho que era a oitava série) cheguei a bater em uns oito garotos da minha classe (não ao mesmo tempo, claro). Estranhamente, pararam de me importunar.

Bom, voltemos ao livro. Talvez a idéia motriz tenha sido o meu desejo inconsciente de uma catarsis. Realmente essa obra - para mim - serviu como um autêntico nosce te ipsum... e um eficiente “dreno”. Uma válvula de escape. Também me serviu como uma autoabsolvição, e talvez até mesmo como autojustificativa. Posso parecer ridículo agora, mas cheguei mesmo a reviver algumas coisas que narrei, rindo novamente, me emocionando (and sometimes that even brought tears to my eyes, I tell you) enquanto as escrevia. Tanto que quando terminei sentia-me exaurido, mas ao mesmo tempo absolvido, leve, redimido, como depois daqueles retiros espirituais católicos da infância, em que de tanto trabalharem com o mea culpa e depois com o subseqüente perdão “crístico” (tática “belisca-e-assopra”, bastante eficaz), terminam por inevitavelmente derrubar os bloqueios psicológicos do jovem e fazê-lo repensar sobre sua interação familiar e seus próprios valores. Catarsis, como eu já disse. Uma excelente terapia de renascimento.

Discorrendo abertamente sobre a técnica narrativa, lembro-me de que chamou-me a atenção recentemente um livro de uma autora nascida na Indochina “francesa”, chamada Marguerite Duras: seu estilo literário (pela análise da crítica) constituía-se pelo que - na época - fora denominado “escola do olhar francesa”; Um aspecto predominantemente objetivo, mas “visual” e – sobretudo - superficial (no bom sentido do termo) e inespecífico. Ou seja, sua narração limitar-se-ia á realidade substancial, deixando a subjetividade emocional ao domínio do leitor para que fizesse ele o que quisesse com tudo isso. Achei extremamente interessante pelo fato de que me pareceu bastante eficiente para estimular a interação pseudoparticipativa de quem se dispusesse a lê-la, e porque essa técnica resultou – apesar de ela ser agradável e parecer eficaz, também, para mim - coincidentemente oposta à minha: contrariamente a essa “escola do olhar”, minha técnica narrativa é propositadamente pobre em termos visuais, incentivando a subjetividade substancial, e concentrando-se ao máximo nos aspectos sentimentais, filosóficos e morais subentendidos nela. O leitor poderá facilmente perceber que, deliberadamente, não me importei de descrever fisiologicamente ao protagonista e nem à maioria dos cenários e personagens com que ele interage. Ou seja, ao contrário do que fez (e lhe valeu o prêmio “Goncourt” de 84, por sinal) a respeitável Sra. Duras, preferi ajudar meu leitor com respeito aos pareceres “internos”, deixando-lhes quase toda a estética ao seu bel prazer.
Houve uma obra do ótimo autor italiano Alberto Moravia que muito me pareceu algo como um “irmão maligno” do “Quando as Pessoas...”, um gostoso e muito engraçado livro chamado singelamente de “Contos Romanos”. Se eu o tivesse lido antes de escrever o meu livro, com certeza teria sido bastante influenciado por ele.

Oh, mais um detalhe que julgo peculiar: Acabei de me lembrar de que me surpreendi positivamente quando li o posfácil de “The Graveyard Book”, de Neil Gaiman, onde ele confessava que havia começado a escrever sua obra pelo capítulo quatro... Este meu livro foi começado em 2007 pelo capítulo três!...
E digo mais, fazer o desenvolvimento psico-analítico do relacionamento de Gustavo com sua conjugue naquele capítulo específico, por exemplo, exigiu tanta meditação sobre a minha psicologia particular, e estudo metódico imparcial da minha parte (talvez não tão imparcial, não?) que no final dele – me custou uma tarde inteira escrever apenas este capítulo – fiquei tão esgotado, que cheguei sinceramente a pensar que escrever um livro inteiro estava acima de minhas possibilidades: se eu continuasse naquele ritmo, levaria cerca de dez anos para terminar tudo. Intimidou-me tanto que fiquei meses desestimulado a escrever meu livro... Por fim acabei voltando a escrever aos poucos, quando empecei a redigir os ensaios que estão nos capítulos trinta e nove, quarenta, e quarenta e um, para um “jornal” que acabou por os não aceitar. Tanto melhor.

Quanto á “índole” absoluta do projeto, confesso que tive de repensar sobre minha finalidade e finalmente optar entre o “negro” ou o “branco”. Não quis fazer uma obra “cinzenta”, “vermelha”. Gustavo seria um “anti-herói” (tão em voga ultimamente) ou um “mocinho”? Por fim, terminei por suprimir uma infinidade de coisas, tais como palavrões, menções ao consumo de substâncias ilícitas, descrições sexuais explícitas, violência física ou vandalismos ocasionais. Ou seja, capítulos inteiros (e até muitos personagens) foram eficientemente deletados. Muita coisa desapareceu sem deixar vestígios, mas também muita coisa boa surgiu para preencher o vácuo gerado. Os palavrões e toda essa desordem que citei acima foram suprimidos não por falso moralismo ou hipocrisia (afinal de contas, quem me conhece pessoalmente sabe que eu utilizo palavrões em meu vocabulário cotidiano aos borbotões, e também não sou o melhor exemplo de conduta social padrão), mas simplesmente porque quando eu lia o que havia escrito e encontrava tudo isso, tinha a desagradável sensação de estar lendo uma versão literária de pornôs chanchadas brasileiras da década de setenta, com seus cachaceiros boca-sujas de costeletas e calças boca-de-sino espancando prostitutas feias em frente a botequins de favelas cariocas. E a última coisa que eu quero é que meu livro seja uma obra vulgar. Os poucos palavrões que mantive deixei-os propositadamente em inglês (aliás, aproveito para pedir ao editor para que NÃO ponha notinhas de rodapé traduzindo-os, pois ficará ridículo). Bom, enfim, no final das contas resolvi que faria uma obra “do bem”.

Pra falar a verdade, eu poderia muito bem ter feito uma obra “do mal”, politicamente incorreta, sem me preocupar muito com isso, afinal, seria apenas outra textura, um tema diferente. E quem me conhece também sabe que eu não tenho “medo de ir para o inferno”. Gustavo representaria o meu lado negro e seria uma pessoa revoltada e violenta, suja, vingativa e narcisista. Seria um ateu fã de black-metal, que joga garrafas de vodka esvaziadas por ele em gatos de rua. Até ficaria mais divertido pra eu escrever, pra falar a verdade, e eu teria a meu dispor muito mais recursos de utilização do “humor negro” (que eu tanto gosto). Mas eu acho que este mundo já está saturado de obras “cinzentas” de qualidade, mas inúteis (e, ás vezes, até negativas) e então resolvi fazer algo que também fosse filantrópico, e até mesmo didático. Misantrópico apenas com relação ás minhas críticas aos “mal-intencionados”. Não me importo de ter bancado o demagogo. Pelo menos meu trabalho semeará alguns frutos saudáveis no coração e na alma dos poucos evoluídos que ainda temos neste nosso mundo cruel. Sinto-me bem por ter agido dessa forma.
E gostei do resultado final. Gustavo não “viveu feliz para sempre” no final, e pode até ser que o “grande amor de sua vida” esteja neste exato momento fazendo sexo com algum estrangeiro que sofra de halitose e que nunca tenha lavado a própria roupa interior. Mas, afinal de contas, a vida real é assim, mesmo, não?


Vosso humilde, obediente e fidelíssimo servidor,
o senhor Herácides Gimenez, último dentre os poetas.


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