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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DJAVAN, CAETANO, CHICO, TOM JOBIM, GUIMARÃES ROSA...


As Cores das Palavras

“Encher de vãs palavras muitas páginas, e de mais confusão as prateleiras...”
Caetano Veloso

Escrever é uma coisa muito pessoal. Não só a caligrafia de cada pessoa tem das suas particularidades, temos muitos outros fatores de diferenciação. O idioma que estiver sendo utilizado, mesmo, pode ajudar, ou não: o rock, por exemplo, deve ser cantado em inglês. Da mesma forma, Guimarães Rosa deve ser lido, preferivelmente, em português, e Gabriel Garcia Marques, em español.
Quanto ao estilo da escrita, entramos em um campo complexo e abrangente. Um texto pode ser simples e direto, ou poético e complexo. Pode ser imparcial, ou irônico. Filantrópico, e/ou humorístico. Confesso que ás vezes fico indeciso sobre qual estilo utilizar em determinado conto ou ensaio. A gama de temas e ornatos que podem ser utilizados é infinita. Entre os letristas da música brasileira, mesmo, temos uma diversidade estilística bastante vasta e interessante.

Chico Buarque teve uma educação bastante rica (culturalmente falando) que muito positivamente refletiu em suas letras. Suas canções são complexas... técnica, psicológico e/ou filosoficamente. Chico usou bastante de uma prosa poética em uma primeira-pessoa do feminino, demonstrando uma singular compreensão e sensibilidade para com o sexo oposto. Também usou de críticas corajosas, tanto á sociedade, como de seus sistemas de leis e governo. Muitas de suas canções são pequenas histórias, narradas com técnicas descritivo-literárias exatas. De fato, seu vocabulário e estilo denuncia que muito lera. O alto conteúdo filosófico de quase todas as suas canções mostra que seu autor é uma pessoa extremamente sagaz e apaixonada.

Caetano Veloso – apesar de, como Chico, também demonstrar extrema erudição, vasto conhecimento literário – apresenta uma obra menos coesa. Suas letras são mais abrangentes e fragmentadas... muito menos específicas. Parece mostrar um maior interesse pelos elementos materiais e simples da vida, e/ou pelos assuntos espirituais. Suas canções são sensuais-materialistas... ou transcendentais. Caetano deixou a política com Chico, parece dar mais atenção ás flores e ao “invisível”. Seu estilo literário é fortemente influenciado por Guimarães Rosa.

Djavan faz parte – junto com os dois supracitados – da elite da música popular brasileira, mas as suas músicas são muito mais predominantemente de cunho romântico, do ponto de vista literário realista, e classicamente poético. Sua prosa poética é muito mais simples; amena e pouco aprofundada. Parece haver uma preocupação maior de Djavan pela música em si (melódica e harmonicamente) do que pelo seu tema e letra, que muitas vezes parece ser secundário e/ou subjetivo. Não obstante, sua técnica musical é virtuosística e eficaz. Sua técnica de canto supera a de quase todos os outros artistas de sua época.

Tom Jobim, muito mais do que um filósofo ou poeta, foi estritamente um músico, mas talvez - justamente como músico - seja o maior de todos. Fortemente influenciado pelo cool-jazz branco pós-guerra norte-americano e pela música erudita, Jobim também acrescentou à sua música a simplicidade brasileira, e seu folclore afro-ameríndio. Sua criatividade composicional é extremamente inspirada e complexa. Suas construções de arranjos parecem ser predominantemente harmônicas em alguns momentos, e melódicas em outros. Suas letras mostram singela e despretensiosa poesia, que apenas parecem servir de fundo para os instrumentos musicais. Parecem apenas citar em breve evasiva o assunto tratado pela música em si.

Saindo do campo da música, voltemos á literatura e – principalmente – á Guimarães Rosa. João Guimarães Rosa foi um mestre da literatura brasileira. Poética, espiritual, filosófica e realista, sua obra parece não ter precedentes... nem rivais. Mesmo quebrando quase todas as regras em benefício do linguajar regional (seja em sua ortografia, quanto em sua sintaxe e concordância), sua - não muito vasta em termos numéricos - literatura coloca-o como referência absoluta, até mesmo a nível mundial. Suas histórias são oníricas e humanas, suas descrições sobre a natureza – e, principalmente, dos animais, que ele parece tanto gostar – são de uma beleza singela e pura, mas muito bem observada e visceral.

Em suma, vemos que escrever envolve um vastíssimo campo de possibilidades. Um músico, escritor ou poeta pode usar de infinitas abordagens de expressão, com nuances, floreios e linguagem estilística vastíssimos. Uma mesma obra pode ter inumeráveis interpretações. O artista pode facilmente dar uma conotação totalmente diferente a uma obra, se ele assim o quiser. Pode ser romântico, ou frio; filantrópico, ou misantrópico. Palavras usam cores para serem escritas. Delas depende seu sucesso, ou não.

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“Em outros tempos, homem matava homem, por causa de mulher. Como os bichos fazem... Mas o mundo vai demudando. Raça da gente vai esfriando, tempo será se vai ficar todos frios, feito os peixes.”
João Guimarães Rosa, “Buriti”

Um comentário:

Carol disse...

e não é? Mto bom, Saides!