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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DER ÜBERMENSCH




“A natureza deu chifres ao touro... E ao leão, o abismo dos dentes.”
Anacreonte, sec.VI a.C.


Qualquer um que tenha lido e estudado de forma concisa e eficaz as obras clássicas foi modificado - em maior ou menor grau - em seu modo de ver e interagir com o “mundo real”, com o universo... com o que todos conhecemos sencilhamente como “vida”. Posso dizer com convicção de que eu sou uma dessas pessoas.

Leitor assíduo, desde minha adolescência sempre gostei de colecionar dois tipos de livros: obras de autores consagrados da literatura, como “Hesse”, “Marques”, “Dostoievski”, “Camus”, “Sartre”, e muitos outros - cujo prazer que sinto ao lê-los seria apenas dificilmente expresso através de palavras... E obras sobre “magia”, “ocultismo”, etc etc...

Acredito que o meu interesse pela magia desde minha tenra idade se deva – salvo a uma inata propensão de minh`alma – aos fatos ocorridos em minha infância com relação a um tumor cerebral que tive, e a todo o sofrimento que tal fato inevitavelmente me fez passar, tanto em termos de dor física, quanto de traumas psicológicos advindos da mutilação estética, e do confronto direto com a morte.

A morte, aliás, sempre esteve presente em minha vida depois de minha vitória sobre o câncer, e a cada vez ela se me apresentava com cada um de seus muitos aspectos: às vezes como uma doença súbita e devastadora, outras um acidente automobilístico inesperado e fatal, ou outras um “ser humano” com índole assassina... De todas as vezes em que nos defrontamos, o embate era sempre o mesmo: rápido e feroz, mas também conciliador. Usando de metáfora para exprimir o inexprimível, quase sempre tive a impressão de que a morte era como um terrível e infalível samurai, que sempre ao se deparar comigo me atacava furiosamente com suas Katanas, mas apenas para desferir-me um potente golpe que sempre passou a milímetros de mim, como para fazer-me sentir o quão próximo ela sempre esteve - e sempre estará - até o embate inevitável e final. Em todas as vezes em que passei por perigos mortais e sobrevivia, vitorioso, inevitavelmente era obrigado a repensar meus valores: e analisar a minha vida. Isso sempre me fez muito bem. Posso arriscar a dizer que quase me acostumei a ela. Quase.

A principal armadilha a que todos os que têm uma percepção “além” dos fatos cotidianos substanciais pode cair, mesmo em termos de posição de valores, ou “sentido da vida”, é a de que TUDO É VÁLIDO... Nada se perde, tudo se transforma em uma correnteza linear, concisa, estável, fluídica, infinita e, acima de tudo, IMPARCIAL. Ou seja, o Paradoxo-mor da filosofia hermética é que tudo o que contém e/ou está contido em sua constituição é parte tão importante e/ou complementar como tudo o mais. Um átomo, um pósitron, um quark, uma nebulosa, uma supernova, um ser humano. Matar ou morrer...

Até onde será que vai nossa percepção plena sobre a vida, sobre o que nos circunda? A linha entre o que seria um hábito ou sentimento normal, e uma obsessão ou paranóia, é tão tênue quanto a linha entre o sensual e o lascivo. Uma das coisas que mais me intriga é que tenho certeza de que minha visão sobre os fatos de minha vida é espantosamente influenciada pela minha própria personalidade... Como eu gostaria de saber como as pessoas realmente me vêem, e o que dizem sobre mim quando não estou por perto. Existem muitas, muitas coisas que ocorrem nos bastidores, e chega a me assustar pensar na possibilidade de que posso estar enganado sobre a maioria das pessoas que conheço, e sobre o que realmente pensam de mim, e em como as pessoas realmente me vêem: Como um herói, ou como um vilão? Como uma pessoa conveniente, ou como um desagradável? Isso porque já presenciei vários casos de conhecidos que apresentam um determinado desvio de personalidade peculiar (como mitomania), e nem desconfiam de que são tão caricatos, de que é tão evidente que estão fantasiando ou distorcendo algo. Como as codornas, que quando espreitadas se abaixam e ficam imóveis - sentindo-se invisíveis - mas na verdade estão tão à mostra que se tornam umas presas exageradamente fáceis, bem mais do que se elas corressem por suas vidas.

Seres humanos... ás vezes chego quase a pensar de que por mais que eu possua um corpo mortal (com pele, músculos, ossos e nervos, os “enxofres fixos e voláteis” de Paracelso), de que mesmo assim eu não sou tão ridiculamente previsível e patético quanto a maioria, e chego até a afirmar que se eu fosse tão risivelmente idiota quanto eles eu estaria lendo e estudando mais para compensar, mas acho sinceramente que pra mim, chega de estudos...Quase ninguém entende o que eu escrevo.

Mas parece que as coisas estão melhorando ultimamente... Fora o fato de que minha casa está com a água cortada a mais de uma semana, de que fui despedido a três dias atrás, de que o maldito encanamento do esgoto está todo destruído e de que supostamente tenho uma espécie de verme astral se alimentando da minha alma (de acordo com um dito "pai de santo" que visitei por repentina curiosidade) tudo parece ótimo.

 É isso que é o mais estranho: Não me sinto tão mal diante das atuais circunstâncias, e isso está começando a me preocupar. Isso pode significar duas coisas; Ou estou me imunizando às merdas cotidianas e perto de atingir o Zen, ou perto de ter um colapso nervoso e acabar causando danos de natureza estrutural permanente em o próximo infeliz que cruzar meu caminho quando eu estiver de mal humor.

Há alguns meses atrás um delinqüente qualquer teve a infeliz idéia de tentar uma abordagem extorsiva á minha pessoa, logo depois de eu ter percebido que haviam cortado a luz de minha casa por atraso no pagamento. Detalhe: Nesse dia, eu estava particularmente de mal humor. Apenas concluo dizendo que graças á essa força desconhecida que permeia o Universo que aquele pedaço de lixo ambulante conscientizou-se de que não seria nem um pouco saudável para sua integridade física medir forças para comigo. Acho que ele percebeu pelo meu olhar e pela maneira com que fui andando convicto para sua direção de que eu realmente estava com muitas más intenções...

Se tem uma coisa de que eu particularmente gosto é da justiça vingativa, quando estou furioso. Pegar algum “espertinho” me sacaneando quando eu estou revoltado... Descontar toda a minha raiva de uma forma útil, ou seja, batendo em algum motherfucker. Acho que é por isso que eu gostava tanto dos gibis de super-heróis quando eu era moleque: Adorava ver aqueles fantasiados com a cueca em cima calça melhorando o mundo na base da porrada, socando o desgraçado que batia na velhinha, ou a gangue covarde que perseguia o garoto ingênuo de família, enfim, se eu fosse um super-herói eu confesso que iria adorar arrebentar a cara de todos os vilões que eu encontrasse. Mas eu acho que, que nem o batman, eu não seria capaz de matar. Claro que numa situação de vida ou morte as coisas seriam diferentes... Para defender as pessoas que eu amo, então, seria mais fácil ainda. Tenho quase certeza de que mataria com minhas próprias mãos a criatura que tentasse violentar ou matar alguém que eu amo. Mas também tenho a convicção de que nenhum ser humano continua o mesmo depois de ter tirado alguma vida humana, e por isso mesmo espero passar por esta existência sem ter que passar por esse pesadelo. Será que na guerra, depois de ter atirado em pessoas que estavam longe o bastante para serem apenas “alvos móveis”, perde-se esse medo de matar, de se tornar mais um “selvagem”? Um amigo meu que era policial disse que todos os seus colegas que haviam matado eram diferentes, como se levassem a marca do assassinato estampado em suas caras. Como se carregassem escalpos. A “marca de Cain”. Eu já vi o olhar de pessoas que mataram outras pessoas, e digo que ao mesmo tempo em que fiquei horrorizado com aqueles olhos, sentia ao mesmo tempo uma ansiedade compulsiva, quase que um desejo de livrar o mundo de pelo menos um perigo, exterminando aquele “mal elemento” de alguma maneira (de preferência, bem dolorosa para ele) e livrando o mundo de pelo menos um estorvo á evolução humana. Estranho isso. O brilho no olhar do assassino me dava quase uma vontade de matá-lo.

É, nossos sentimentos são as nossas armadilhas. Há de se ter bom senso nessas horas. Depois de consumado algo irreversível, nem Deus pode te ajudar. É, acho que é melhor desistir de querer ser um super-herói. Afinal de contas, só nos filmes existe final feliz.

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