O homem moderno,
no final de seu galgar pelo aprendizado acadêmico do conhecimento específico
que escolheu para si, recebe um dos principais “símbolos” de sua interação com
- e conseqüente aceitação pelo - status
quo: o Diploma. É ele que
possibilitará ao estudante sua transição formal ao que o levará a ser um
“profissional”. Não se contesta um diploma, evidência palpável que é.
Constitui-se prova incontestável da “competência” de seu portador. Que dizer
então de pós-graduações, das teses de mestrado, de doutorado, “p.h.d.s” e
afins?
- Está vendo
aquele cavalheiro ? - sussurra a senhora burguesa à sua filha - aquele a
apertar o nó de sua gravata? Diz-se ser ele Doutor Honoris Causa em Oxford!...
É a ele que deverias chamar para a contradança...”
Da mesma forma
como reles pertences materiais (como gigantescos imóveis, carros de luxo,
fraques, smokings e demais bugigangas) pressupõem um “cidadão respeitável”,
anos de estudo em uma universidade de renome pressupõem um profissional
notável. Ora, ninguém poderá negar que ter como mestres personalidades de
credibilidade acadêmica inevitavelmente será promissor, e é óbvio que o
convívio com uma elite burguesa educada nos mais finos parâmetros da etiqueta
seja inevitavelmente positivo, mas de qual época e nação estamos falando? Da
Inglaterra Vitoriana? Não. Quero falar sobre o Brasil, mais especificamente
sobre música, e a época é exatamente esta.
Leve um garoto
brasileiro para Bahrein, na Índia, deixe-o lá por dez anos para aprender os
segredos da Cítara oriental, e veja se depois de voltar ao Brasil ele poderá
lecionar sobre o instrumento em alguma faculdade... Será mais fácil vê-lo em
qualquer outro emprego se ele não dispuser de diploma.
Pode parecer adequado - teoricamente
falando - uma especialização formal, metódica e comprovada, mas não precisamos
ir muito longe para se comprovar uma verdade absurda, irônica e revoltante
dessa metodologia: Os mais especializados em termos “acadêmicos” nem sempre o
são na realidade prática.
Terminamos com uma
realidade bizarra: Professores de idiomas que não falam o idioma que “ensinam”,
e “Músicos” e “professores de Música” que não são músicos.
Sobre a
problemática do não ser, poder-se-ia estendermo-nos muito mais além, direto à
questão da música como arte e quem realmente poderia considerar-se como
autêntico representante da mesma.
Onde,
necessariamente, começa a ARTE?
Como se comprova a sua autenticidade?
Aprende-se
a “arte” em alguma faculdade?
Ou será que, na verdade, aprende-se apenas
a elementos, blocos ocos, peças aleatórias e insípidas de sua constituição?
Notas, cores e
frases não são “artísticas” por si mesmas... É aí que entra o homem, que se
metamorfoseará em artista apenas se lograr em dar vida a esses elementos
estéreis.
É muito fácil jogar tinta óleo a esmo em
uma tela de forma caótica e chamar a isso de “arte abstrata”. É muito fácil escrever sandices totalmente
desprovidas de coerência e conteúdo, de forma totalmente mecânica e sem a menor
reflexão, e chamar a isso de “poesia
cubista”. Um cidadão sobe em algum palco e fala, grita, cospe e despe-se de forma
caótica, e chamamos a ele de “ator Artaudiano”.
Montam-se uns poucos acordes em uma melodia, coloca-se uma pobre e óbvia letra
sentimentalóide narrando um “amor que se foi com outro alguém”, e temos uma “canção romântica”.
Um estudante de
arte não se torna um artista por ter manchas de tinta óleo em suas mãos, ou por
cheirar a aguarrás, e nem por estar executando um caríssimo oboé em algum recital em
Paris.
Conheço a poucos artistas... Mas conheço, isso sim, a muitos
impostores, cuja principal pessoa a que eles enganam com suas obras insípidas são eles mesmos.
Chama-se de "artista" a cínicos propagadores de “obras” explicitamente caça-níqueis, cantores medíocres que compram canções de ilustres anônimos e abarrotam os meios de veiculação com os mesmos clichês, meros clones de “fórmulas” eficazes em alcance de massa.
Chama-se de "artista" a cínicos propagadores de “obras” explicitamente caça-níqueis, cantores medíocres que compram canções de ilustres anônimos e abarrotam os meios de veiculação com os mesmos clichês, meros clones de “fórmulas” eficazes em alcance de massa.
Vivemos em um
mundo esteta, um supérfluo mundo de deslumbres e ilusões. Fica-se deslumbrado com a
formação acadêmica, e não se percebe o charlatão.
Deslumbra-se com um pomposo cenário e com os caríssimos figurinos, e não se percebe que a peça é uma mera cópia insossa de clichês desgastados.
Deslumbra-se com um nome famoso, montado a subornos e a minimalismos acessíveis
á massa.
Deslumbra-se com um lindo violino, executado por um papagaio bem alinhado, cujo extraviamento de suas partituras o tornaria um melhor cozinheiro.
Deslumbra-se com um lindo violino, executado por um papagaio bem alinhado, cujo extraviamento de suas partituras o tornaria um melhor cozinheiro.
O que está sendo
feito de nossa Arte? De quem será a responsabilidade pela banalização de seu
conteúdo? Do artista, ou de seu público? Oscar Wilde já dizia que “a obra de arte deve dominar o público, e
não o público dominar a arte”.
Dizia também que "um homem que não tem pensamentos
individuais, é um homem que não pensou".
A meu ver, a
modernidade - com sua liberalização total dos valores e a banalização gradual
de tabus – chegou a tal ponto em que tornou a verdadeira obra de arte apenas
mais um bem de consumo como qualquer outro, mas desafortunadamente consumido
apenas por uma minoria que - apesar de privilegiada intelecto e culturalmente
em comparação ás demais - não tem voz ativa nenhuma quando mede forças com essa
sociedade majoritária ignorante, materialista e fútil. As grandes empresas de
entretenimento e informação (principalmente rádio e televisão) criaram um
autêntico exército de consumidores de bobagens. Um exército de alienados que se
sentem muito bem, obrigado, em o serem.
Estamos vivendo um
autêntico “Apocalipse da Arte”. Os
quatro cavaleiros já apareceram, e já estão em vias de exterminá-la de vez.
Mas não se trata de “peste”, “guerra”,
“fome” etc... São a “Indústria Pop Milionária”, a “Fórmula de Vendagem”, o
“Artista Fajuto e Mercenário”, e o pior de todos os cavaleiros, “O Público Que
Não Quer Pensar”.
Deus nos ajude.
"A verdadeira filantropia apenas
ocorre quando no espelho da alma humana reflete toda a comunidade; e em toda a
comunidade brilha a luz da alma individual."
Rudolf Steiner
(carta manifesto escrito por Saides Lamarca em seu livro "Caderno de Variedades - ensaios diversos")
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