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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

APRENDENDO A CANTAR - BASES FUNDAMENTAIS

(escrito por Herácides Gimenez, mais conhecido como "Saides Lamarca")



Por que o homem canta? Qual a finalidade do canto? Qual a finalidade da música?
O que impele o homem a usar de sons e ritmos para gerar música? E por que é agradável ouvi-la?


Ninguém sabe o momento exato da origem da música. Talvez ela tenha ocorrido alguns segundos após a origem do homem. Mas podemos saber com toda a certeza qual foi o seu primeiro instrumento: a voz. A judaica Kabalah diz ter sido a primeira ação de O Criador a pronúncia de um verbo que na verdade é/são todos: “O” “Verbo”. Uma palavra proferida. 


A primeira canção.


Para os hindus o universo é sustentado por três “cordas” denominadas "Gunas”. São as três qualidades da matéria: Sattva-gunaRajo-guna, e Tamas-guna.  Cada uma dessas três qualidades possui uma forma humanóide: Rajo controla a paixão na forma de Brahma, o primeiro ser humano criado, ou o “molde” do homem; Sattva controla a corda da bondade na forma de Vishnu, a forma humana de Deus; e Tamas controla a ignorância na forma de Shiva, que é quem futuramente destruirá toda a matéria. A doutrina hindu vê Maya (o universo) como apenas um sonho momentâneo de Krishna


Um sonho que na verdade é o Kirtana, ou seja, um canto coletivo infinito de todo o cosmos em uma glorificação infinita ao Senhor Supremo, ou seja, Deus.

Um canto.


Murray Schafer em sua obra “A Música das esferas” estudou a relação entre as órbitas planetárias e os intervalos musicais. Os planetas movimentam-se em o universo em uma orquestra muito bem ordenada. Uma gigantesca valsa cósmica.


Estudos recentes descobriram na teia da aranha uma complexa seqüência matemática em perfeita conjunção com os princípios da teoria musical.




O HOMEM E O CANTO


O canto é a expressão máxima da música, visto que ela é executada sem a necessidade de uso de qualquer  objeto externo. O instrumento musical do cantor é apenas o seu próprio corpo.


É um erro grosseiro pensar que o canto é apenas o som que sai da garganta pelas cordas vocais. O som é gerado pelo ar dos pulmões, que é controlado em intensidade – dinâmica - pelo diafragma, tendo seu brilho e timbre moldado nas finíssimas películas das pregas vocais, e ressona-se usando como acústica todo o corpo do cantor, desde a sua caixa craniana até a ponta de seus dedos. O cantor canta com todo o seu corpo.


A voz, assim como a impressão digital, é única para cada ser humano. Isso porque ela é definida pela constituição física do executante. Sua altura, seu peso e sua compleição física influenciará em todo o seu timbre vocal. Até mesmo o formato de seu rosto.


     Não existe uma “bonita” voz, ou um “bonito” timbre. O que as torna belas e agradáveis é apenas o uso correto de suas capacidades, tendo-se ciência de seu tipo específico, de seu alcance e limites. O fator determinante da sua qualidade (ou falta de) é estritamente a disciplina de treino do executante, a consciência de que existem diversos tipos de vozes humanas, e o cantor deve desenvolver-se de acordo com a sua própria limitação. 


Existem pessoas com vozes agudas (finas), e pessoas com vozes graves (grossas). Alguns fatores predispõem para determinados timbres, mas tudo isso é muito relativo e sujeito a infinitas nuances e exceções. Abordaremos o assunto apenas como referência.
Pessoas pequenas, de baixa estatura, geralmente possuem vozes agudas, e pessoas grandes e corpulentas, vozes mais graves. Pessoas magras geralmente possuem menos emissão vocal (força, intensidade) do que as mais gordas. Por isso cantores de música erudita com um vigoroso timbre vocal são geralmente corpulentos, e até mesmo obesos.



É um erro comum pessoas iniciantes no canto (e até mesmo muitos pretensos “experientes”) insistirem em cantar em escalas inapropriadas para o seu tipo de voz, danificando, assim, de forma irreversível sua corda vocal, e nunca apresentando uma qualidade de execução musical satisfatória. O canto deve ser sempre confortável e natural. Tensão, desgaste e rouquidão é a mais pura evidência de que os próprios limites do executante foram atravessados. Isso é extremamente danoso, visto que as “cordas” vocais são finas e delicadas.


Mas atenção: O cantor apenas terá conhecimento da sua verdadeira extensão vocal depois de algum tempo de treino. Somente com o treino a voz adquirirá clareza e brilho, visto que a corda vocal é como um músculo que deverá se desenvolver e fortalecer com exercícios gradativos. E aí chegamos aos dois principais exercícios do treino vocal: RESPIRAÇÃO e VOCALIZAÇÃO.



RESPIRAÇÃO

Da mesma forma como uma sanfona ou uma escaleta, a voz depende inicialmente da emissão de ar pelos pulmões, que é controlado pelo diafragma. Para uma boa execução de canto essa emissão deve ser uniforme. Uniforme significa constante: o ritmo e a intensidade da saída do ar pelo pulmão deve ser sempre o mesmo, não importando se a nota emitida pela voz é aguda ou grave. O volume, a altura do som, também deve sempre permanecer a mesma. Um erro comum de cantores iniciantes é o de cantar com a voz baixa quando emite notas graves, e o de quase gritar quando chega a notas agudas. O bom cantor tenta sempre manter o MESMO VOLUME, apenas variando-o propositadamente quando a sua interpretação o pedir.


O principal exercício para a uniformização do movimento do diafragma é expirar o ar de três formas diferentes mantendo o esvaziamento dos pulmões com exatamente a mesma intensidade: A primeira forma é com a emissão em “S”, passando depois (sem interrupção da respiração) para a emissão em “X”, para então concluir com a emissão em “F”. O efeito sonoro da execução correta desse exercício lembra o barulho de uma locomotiva, e por isso mesmo em aulas de canto para crianças chamamos a esse treino de “trenzinho”. Apesar de parecer simples, ele é de longe o melhor exercício para desenvolvimento da respiração correta.


VOCALIZAÇÃO

Para o correto desenvolvimento da voz é imprescindível os treinos de vocalizes. “Vocalizar” significa cantar escalas musicais usando vogais (a, e, i, o, u) ou sílabas (PA, BA, LA...). Podemos também fazê-lo em “humming”, ou seja, cantando com a boca fechada. Cantar em humming é uma ótima forma de treinar escalas e alcance vocal.


Antes de mais nada, aprenderemos uma simples e muito eficiente forma de aquecimento das cordas vocais. O aquecimento da voz é feito em um humming gradativo começando da nota mais grave que a pessoa emitir (atenção: sem forçar!) e subindo devagar, até chegar ás notas mais finas. Mais uma vez usando a didática usada para ensinar as crianças, a forma mais fácil de se explicar esse exercício é comparando seu som ao “hum” que as pessoas fazem em propagandas de doces: “o exercício do bolo de fubá da vovó”.


Bom, passemos para a vocalização propriamente dita. Uma ótima forma de se treinar as vocalizações é com o acompanhamento de algum instrumento musical, de preferência um piano, ou teclado. Vilões também podem ser usados sem problemas, apenas tendo-se o cuidado de se conferir se ele está corretamente afinado pelo diapasão. O uso do instrumento servirá primeiramente para o estudante conferir qual é a sua própria extensão vocal. A extensão vocal do estudante será o conjunto total de notas que ele é capaz de emitir limpa e confortavelmente. É muito importante frisarmos o “limpa e confortavelmente”, pois o estudante que insistir em emitir notas acima ou abaixo de sua extensão particular estará danificando gravemente sua voz, podendo desenvolver calosidades vocais e sofrendo alterações degradantes e irreversíveis da própria voz. 



Na mídia temos muitos exemplos de artistas famosos que sofreram deformações em sua voz com o passar do tempo, e posso afirmar de que isso não é natural, devendo-se certamente aos excessos cometidos. O primeiro excesso é forçar a voz além de sua extensão. O segundo é cantar sem um prévio aquecimento, e o terceiro é o uso de substâncias prejudiciais á voz, como líquidos gelados e cigarros e charutos.



Mas é claro que á medida em que o estudante treinar as vocalizações e o próprio canto, com o passar do tempo ele mesmo perceberá que a sua voz começará a aumentar naturalmente sua extensão, ou seja, o estudante iniciante não deve se preocupar com o fato de sua extensão vocal ser reduzida, pois isso será facilmente resolvido de forma natural e espontânea (mas gradativa). Apenas tenha paciência em seus treinos e espere sua voz desenvolver-se e adquirir brilho e graça naturalmente. É possível melhorar a qualidade do canto em até cinqüenta por cento depois de apenas uma semana de exercícios moderados de apenas alguns segundos diários. Geralmente um cantor com certa experiência e disciplina de treino pode alcançar confortavelmente três oitavas.




TIPOS DE VOCALIZES

Os vocalizes podem ser feitos baseados em escalas. O principal problema de o cantor que não possui conhecimentos básicos da teoria musical é o de que ele não saberá como usar as diferentes (e numerosas) escalas musicais. O cantor que não sabe executar nenhum instrumento musical não sabe quando ele está usando uma escala maior ou menor, por exemplo. A maior parte dos “desafinos” vocais são efetuados quando o intérprete emite uma terça maior sobre uma harmonia menor, ou vice-versa. Quem canta acompanhando-se ao violão, ao teclado ou qualquer outro instrumento “HARMÔNICO”, possui mais facilidade para manter-se na trilha da base, ou HARMONIA. Ou seja, dificilmente um cantor se profissionalizará sem um correto embasamento teórico.



Como primeiro treino de vocalizes temos a escala CROMÁTICA básica:

TOM  - SEMITOM(+)  - TOM -  SEMITOM(-), ex:

A – A# - A – Ab        ou          B – C - B – A#



E as tríades MAIOR MENOR:


MAIOR (usando - apenas como exemplo - a tríade de SoL ):
G (Tônica) - B (terça MAIOR) – D (quinta)

MENOR (ainda usando apenas como exemplo a tríade de Sol):
G (Tônica) – Bb (“Si bemol”, ou terça MENOR) – D (mesma quinta do acorde maior)


Todo estudante sabe que cada estilo musical é definido por uma rítmica e uma escala própria. O BLUES, por exemplo, é tocado usando-se a escala PENTATÔNICA. Tendo-se conhecimento de as diferentes escalas o intérprete poderá usá-las da forma como ele quiser.







(Nos textos anteriores conferimos as diferentes técnicas vocais, e as suas múltiplas formas de uso. Nesses textos eu abordei temas como a "impostação vocal" e as suas diversas formas de "brilho". Se você ainda não viu, dê uma conferida.)







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