“O fim da ciência é destruir o mundo.”
Friedrich Nietzsche
Durante todos os períodos da história da
humanidade, o momento presente, imediato, sempre fora visto (e provavelmente
sempre será) como o auge da decadência humana e o prenúncio de um suposto
próximo Armagedom. Qualquer pesquisa superficial por arquivos de história
mostrará a civilização sempre à espera de um iminente apocalipse. Como um
cachorro que gira em círculos, tentando morder a própria cauda. Um ouroborus -
ou möbius - barato. As pessoas sempre dizem que a sociedade está cada vez mais
violenta, que os valores familiares estão ficando para trás... É típico de
pessoas idosas dizerem que “nos velhos tempos, tudo era melhor”. Será mesmo?
Eu, sinceramente, penso que não.
Há alguns milhares de anos atrás - quando
a bebida alcoólica fora criada e começou a ser largamente utilizada pelos povos
antigos, como os egípcios e romanos - toda refeição era acompanhada por vinho,
cerveja, anisete ou hidromel. Beber água era sintoma de um lar miserável.
Durante esse período da história não era nem um pouco incomum o ser atendido
por um padeiro ou alfaiate bêbedo, e a história mostra muitos episódios de
atrocidades (como latrocínio e estupro) cometidos por soldados – romanos,
egípcios, persas - embriagados, e durante o exercício de sua função. Em aquelas
tenebrosas épocas, quase toda a sociedade comum perambulava pelas ruas – e
inclusive trabalhava – embriagada. O leitor mais imaginativo tente conceber
como seria essa sociedade ébria em termos de interação social. Imagine o nível
da violência, em uma sociedade primitiva onde a impunidade era muito mais
comum, e onde até mesmo suas autoridades estavam intoxicadas pela bebida e
cometendo delitos, impunemente. Lembro-me agora de que na obra “Nossa Senhora
de Paris”, de Victor Hugo, ele mesmo nos explica que em pleno século quinze
ainda era comum deparar-se nas ruas com estranhos alcoolizados, armados com
punhais ou adagas em suas cinturas. Naquela longínqua época dos combates e
conquistas de territórios, todo pai de família deveria ter pelo menos uma
espada bem afiada escondida em algum lugar de seu lar. Á qualquer momento uma
turba de vagabundos homicidas poderia se juntar para saquear alguma vila ou
caravana. Todo cuidado era pouco.
Não é á toa que os historiadores chamam a
Idade Média de “Idade das Trevas”, por exemplo. Depois que se ficou sabendo o
que os árabes estavam fazendo com os cristãos europeus que faziam a
peregrinação até a cidade de Jerusalém, um andarilho chamado de “Pedro, o
eremita” começou a perambular por todas as pequenas aldeias da Europa narrando
para qualquer transeunte que encontrasse - em detalhes grotescos - as
humilhações sofridas pelos cristãos nas mãos dos “sanguinários turcos”,
incitando o povo a pegar em armas, e partir para a retaliação. O papa Urbano II
aprovou, e começou a “Guerra Santa”. “Que os salteadores se tornem
cavaleiros!”, gritou o papa, ao que todos responderam: “Deus vult! Deus
vult!...” Pedro juntou 50.000 pessoas das mais baixas categorias sociais e foi
para Jerusalém, na primeira de todas as cruzadas, chamada “Cruzada dos
Mendigos”. Não sobrou quase ninguém, apenas Pedro e mais uns poucos
sobreviventes. Naquele insano período da história humana, a cruzada cristã mais
absurda fora a chamada “Cruzada dos Meninos”: Acreditando que Jerusalém somente
seria recuperada pelos “inocentes”, milhares de crianças foram colocadas em
montarias com espadas tão pesadas quanto elas próprias e mandadas para o
confronto com os turcos, com a bênção de Deus. Sinceramente, agradeço aos
historiadores por não entrarem em detalhes sobre o que fora feito com essas
crianças pelos bárbaros. E, só para concluir esta menção ás cruzadas, é
importante notarmos que o final dela fora com o papa utilizando os seus
próprios cavaleiros templários para alimentar as fogueiras da Santa Inquisição.
A gordura humana deve ser uma ótima substância inflamável.
Na América do Sul, no final da Guerra da
Tríplice Aliança, quando o Paraguai já havia sido massacrado em uma guerra
covarde pelo Brasil, Argentina e Uruguai, uma de suas cenas finais
(“Nhu-Guaçu”, 16 de agosto de 1868) fora a dos soldados brasileiros
“vencedores” degolando adolescentes e crianças armadas, depois que toda a
população masculina do Paraguai já havia sido dizimada. Não é difícil imaginar
as crianças paraguaias chorando, agarradas nas pernas dos soldados, implorando
por suas vidas. Duque de Caxias hoje é tido como um “herói”. Herói de uma
guerra infanticida, onde seus soldados jogavam propositadamente cadáveres
contaminados com cólera-morbo nos rios. Depois de essa “guerra” empreendida por
três países contra apenas um, o que restou do Paraguai fora um país saqueado e
miserável habitado por velhos e mulheres. E enquanto isso, na Inglaterra,
glutões de peruca brindavam a isso com taças de gim.
Nossa sociedade “moderna” é uma sociedade
de bêbedos. Dopadas pelo álcool e pela televisão, sempre estão à espera de um
apocalipse que na verdade já está acontecendo a milhares de anos. Desde que a
humanidade surgiu.
apocalipse. [Do gr. apokalypsis,
‘revelação’, pelo lat. tardio apocalypse.]
P. ext. Fig. 1. Grande cataclismo; flagelo terrível.
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