Posso muito bem fragmentar minha carreira como músico e compositor entre dois extremos: Antes, e depois de entrar em contato com a filosofia antroposófica de Rudolf Steiner. O antes já não me interessa mais. Nem consigo mais concebê-lo, definí-lo. O “depois” faço questão de explaná-lo.
Quando voltei para minha casa depois de
concluído o curso, agarrei meu violão e olhei para ele (ou ela?) como se nunca
antes eu o (a) tivesse visto. Sentia seu peso, sua substância, e olhava para
suas formas. Olhei para meu instrumento musical como se eu nunca ainda o tivesse visto, analisando cada mínima textura de sua constituição.
Vibrei sua última corda e percebi que podia
executar qualquer canção que eu já conhecia usando apenas ela, e nenhuma outra
mais. Pensei que eu poderia escolher uma planta qualquer, ou algum animal, uma
flor ou algum inseto, e expressar-me como se eu fosse um d`eles. Percebi que
compor uma canção com duas notas, ou quarenta acordes, era o mesmo. E o
principal: Percebi que naquele momento eu teria que abnegar de todo o
conhecimento musical que eu presumira ter, e recomeçar tudo novamente... Tudo,
desde a estaca zero.
Então comecei abraçando o meu violão. De olhos
fechados... senti-o como uma extensão do meu corpo. Minha segunda, e terceira
voz. Depois olhei para dentro de mim mesmo, e esperei calmamente sentir meu
momento, em que o pensamento se faria Verbo. E, só então, cantei. A primeira
nota de minha voz ressonando no ar, junto com a de meu violão (que agora também
era meu corpo), que formariam uma tríade com o silêncio, gerando uma nova
canção. Lembrei-me do conceito cabalístico dos números e letras, da criação do
universo. Gematria? A música como uma matemática poética. A melodia contando
uma história, onde seu cenário, seu pano de fundo, é a harmonia. Seu andamento,
uma pulsação cardíaca... ou um trilho de trem; sua letra um sentimento humano...
uma risada, ou mesmo uma lágrima. Ou seja, a música em seu sentido mais
visceral, pleno: Como a celebração máxima da glória da vida. Isso é
antroposofia.
E, agora sim, finalmente acho que me tornei um
artista. Antes, eu era um farsante. Um corpo, sem alma. Como é bom
despertar!...
*
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