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domingo, 31 de agosto de 2014

OS PRINCÍPIOS DO TAO E DO CONFUCIONISMO: AS DUAS BASES FILOSÓFICAS DE O KUNG FU INTERNO


O Tao é imutável. Sem nome.
E, embora originariamente ele seja ínfimo,
Tornará indestrutível aquele que o encontre
Tao te Ching

    A história da Terra – e da raça humana - sempre apresentou repentes súbitos de gênios que alavancaram a evolução humana. Em determinados períodos da história - em lugares extremamente longínquos entre si - apareceram simultaneamente homens extremamente evoluídos que mudaram para sempre toda a humanidade. No século VI a.C. tivemos o mais extraordinário surgimento de avatares de a história d`este nosso planeta: A Grécia nos trouxe Pitágoras e Heráclito, a Pérsia apresentou-nos Zoroastro (ou Zaratushtra), a China abrigou Lao Tse e Confúcio, e a Índia surpreendeu ao mundo com a pessoa de Sidharta Gauthama. Nesse período inicial da história da civilização fora criado na Índia o Budismo.


    Esse mesmo budismo originado na Índia espalhou-se rapidamente por toda a Ásia em diferentes escolas de pensamento, onde se destacaram principalmente duas: A Hinayana (ortodoxa) na Tailândia, Burma e Sri Lanka; e a Mahayana, estabelecida em o Nepal, Tibete, Japão e China. Como a intenção destas páginas é a de falar apenas sobre a arte marcial da China e de sua filosofia implícita, concentraremo-nos apenas em os aspectos do budismo Mahayana (chamado por seus adeptos de “grande veículo”), com a sua filosofia chinesa Hua-yen.   


    Da mesma forma como apenas duas colunas sustentam toda a filosofia budista, também duas colunas sustentam toda a filosofia “kung fu” do Wushu; Prajna e Karuna (respectivamente “intuição” e “compaixão”) sustentam a filosofia Mahayana, e o Wushu é sustentado pelo Confucionismo com o seu pragmatismo “kung fu” (ou seja, a busca da perfeição através da disciplina) somado ao Taoísmo de Lao-Tse, com a sua meditativa contemplação e conseqüente absorção/assimilação do “Caminho Perfeito” da natureza e de seus seres vivos.



Lao Tse

     Lao Tse (da mesma forma como Kwan Kung, Bodhidharma e Confucio) tratou-se de um lendário sábio tão popular em toda a China antiga que a sua verdadeira história terminou por se perder em um vastíssimo oceano de lendas apócrifas a ele atribuídas. De acordo com as principais d`elas, Lao Tse era um homem velho e careca com longuíssimas barbas brancas que perambulava pela China sem destino fixo montado em um plácido e manso touro, seu único companheiro, e também o único “bem material” que ele possuía além de suas próprias roupas. Lao Tse finalmente se cansou do materialismo e ambição de seus semelhantes e decidiu deserdar acompanhado apenas de sua montaria para os confins da Ásia Central. Chegando em a fronteira da China, Lao Tse foi abordado por um guarda da fronteira chamado Yin Hsi (ao que tudo indica um homem bondoso e inteligente), que muito se interessou pela filosofia do humilde velho, mas dispondo-se a apenas permiti-lo passar com seu touro pelos portões e partir do país depois que ele lhe estivesse escrito um tratado completo sobre seus pensamentos e sua filosofia. Lao, então, pernoitou pela última vez na China e fez a vontade de Yin Hsi, escrevendo-lhe o tratado de 5.000 palavras conhecido como “O Clássico sobre o Caminho Perfeito”, ou “Tao Te Ching”. Aparte as lendas e romantizações, tal livro de fato existe (inclusive foi bastante usado por mim em grande parte das citações d`esta minha obra que está agora em tuas mãos, caro leitor!) e é considerado juntamente com o Cânone Taoísta Daozang como o autêntico cerne do budismo Chan, também chamado de Zen Budismo. O alicerce filosófico de toda a China é o próprio Tao Te Ching!


Confúcio, ou K`ung Fu Tzu



     Pelo que meus escassos conhecimentos e exaustivas pesquisas me fizeram suspeitar, a expressão chinesa “gong fu” parece derivar etimologicamente de o nome chinês “K`ung fu Tzu”, o antigo sábio taoista conhecido pelos Ocidentais como “Confúcio”. Em a edição brasileira do Lun Yü ("Os Analectos", L&PM, pag.233) vemos que "fu Tzu" é traduzido como "Cavalheiro", ou "mestre".

      Confúcio nasceu em o reino de Lu no ano 551 a.C., e foi um grande sábio venerado por seus discípulos, que o seguiam com inexorável fidelidade. O conceito central de toda a sua filosofia era o Chün Tzu, ou a “busca pelo aperfeiçoamento moral, e pela prática constante da benevolência”.

     Para Confúcio, a busca infinita pela virtude não deveria jamais ser feita pelo homem que buscasse d`ela qualquer tipo de recompensa ou vitória: a recompensa pelo aperfeiçoamento moral e pela prática constante da benevolência não virá em vida...

E talvez nem mesmo depois da morte.


A virtude deve ser perseguida pelo homem digno apenas por seu próprio valor intrínseco, e com a completa indiferença quanto ao sucesso ou fracasso, ou mesmo o mero reconhecimento de seus esforços e/ou suas obras.


A única recompensa a buscar é o próprio aperfeiçoamento.


“Quanto a colocar o caminho do Chün Tzu em prática, o homem benevolente deve saber o tempo todo que isso é uma causa perdida”
LunYü



O que é o TAO

Não viveu em vão aquele que descobriu a verdade sobre o Tao antes de morrer”  


     A tradução literal para Tao (ou Dao) é "caminho", mas esse caminho a que a filosofia chinesa se refere não é um caminho físico, e também não seria, necessariamente, um suposto "caminho espiritual transcedental" a que alguém poderia trilhar. Na verdade, esse caminho a que ele se refere seria O caminho percorrido pelo próprio universo, que em sua síntese máxima seria dividido por duas forças opostas e, ao mesmo tempo, complementares.



     Ou seja, de acordo com a síntese de essa filosofia o Tao seria o caminho cósmico absoluto e imutável percorrido pelo Te. "Te" é a sua contraparte que representa a virtude universal, uma espécie de "justiça-cósmica" que trilha o próprio Tao como se ele fosse uma estrada. A tradução mais próxima para Te seria "Virtude", aquela coisa indefinível e amorfa, uma espécie de "poder do amor" que mantém a todas as coisas existentes coesas, ou seja, estáveis e em harmonia.



    Claro que com "harmonia" apenas nos referimos a seu estado-de-ser, visto que a desarmonia também é uma parte essencial do Tao como toda e qualquer outra. Aliás, é justamente essa a característica fundamental do pensamento filosófico oriental, e justamente essa característica é a que mais difere do pensamento Ocidental: O Ying e o Yang são opostos... Mas um é tão importante quanto o outro para o equilíbrio de o universo.


     Para um Taoista, o ouro seria uma pedra amarela insignificante se fosse facilmente encontrada pelo chão em qualquer lugar, e justamente por isso é que as pedras comuns são tão importantes. Somente a existência do "feio" faz o "belo" adquirir algum valor. Se tudo no universo fosse belo e grandioso, nada no universo seria belo e grandioso.

   A bondade, a compaixão, a redenção e o perdão talvez não seriam qualidades tão valorosas e tão nobres se não fosse pela predominância de suas contrapartes em o cotidiano da vida.  


     Em várias obras e estudos que pesquisei sobre o Tao,e até mesmo em o próprio Tao Te Ching de Lao tse, vi que ele é mui freqëntemente mal traduzido e, consequente e negativamente, mal-interpretado.   


    Usando-se a própria filosofia chinesa para expressar o que é o Tao, tomemos um homem hipotético em seu caminhar para seu lar: onde está o Tao em essa cena? Em o homem? Não. Em seu lar? Não. Em suas pegadas? Não. O Tao é o trajeto, o Tao é todo o caminho percorrido. Fluxo contínuo. Mudança contínua.

     Vemos o Tao em o instinto dos animais, que nascem e, segundos após, levantam-se sobre suas patas e começam a caminhar.  

     Vemos o Tao na água que flui da nascente do alto de uma montanha para baixo. Ela desce vagarosamente e acaba, por fim e sem nenhum esforço, arredondando ás mais duras, pontiagudas e gigantescas pedras.

     Sem dúvida alguma a melhor forma para entendermos ao conceito Tao-Te-Ying-Yang é com a observação da natureza e de tudo o mais que forma o universo.

     Qualquer animal predador, por mais perigoso que seja, também tem seus momentos de ternura com suas crias.

Em algum lugar da África ferozes panteras negras amamentam suas crias com carinho.

Em um lugar qualquer do Vietnã cobras mortais fazem ninhos onde depositam seus ovos e aguardam pacientemente a sua eclosão.

Em algum extremo da Antárdida um gigantesco e assustador urso pular pesca peixes com suas mãos para sua família.


O verdadeiro equilíbrio do Tao somente ocorre quando finalmente aprendemos o "não lutar-lutando", ou seja, a não chocar-se contra algo oposto usando-se de uma força oposta, e nem de uma força idêntica e, sim, absorvendo-a e anulando-a.

Até mesmo transmutando-a.


KIN LAI!


Trinta raios convergentes unem-se no cubo, formando uma roda,
Mas é o seu vazio central que permite a utilização do carro.
Recortai no espaço vazio das paredes as portas e janelas
A fim de que um quarto possa ser criado.
Desta forma o ser produz o útil...
Mas é o não-ser que o torna eficaz
Tao Te Ching





Este texto é um trecho do livro de Herácides Gimenez (Saides Lamarca) intitulado "A Dança do Tigre Branco"



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