“Existe o mal?”
Esta é a principal
indagação feita por “Damiel” (Bruno
Ganz), o protagonista e narrador de a história do belíssimo filme alemão “Asas
do Desejo”, feito pelo genial Win Wenders. Damiel, na verdade, não é um ser
humano. Damiel é um anjo. Ele é um anjo que – como todo anjo obviamente deveria
ser para exercer sua função de maneira satisfatória – ama apaixonada e
incondicionalmente ao ser humano, chegando ao extremo de decidir abandonar a
seu cargo de “sentinela d`a humanidade” para vestir a “armadura de carne” dos
homens e – pela primeira vez em sua angelical existência – “viver”. Viver como
um homem comum.
O que mais me interessou em esse filme tão especial é exatamente essa
essência, que é a gigantesca ternura que Damiel sente incondicionalmente pelas
pessoas, e por seus casuais e amenos cotidianos. O anjo, desde o início,
descreve para o seu amigo (“Cassiel”, outro anjo, evidente) de as coisas que
ele pensa serem as mais poéticas e belas e – surpreendentemente – não são as
mais transcendentais, nem as mais importantes, e nem ao menos as politicamente
corretas. Ele se interessa pelos detalhes que qualquer ser humano normal veria
como fútil, previsível ou banal. Um dos exemplos de que ele descreve é o seu
carinho especial pelos cumprimentos comuns de acenos de mão entre os homens que
apenas se conhecem superficialmente.
E justamente essa sua essência (de essa apologia explícita á existência
física humana e, conseqüente e inevitavelmente – á própria matéria) é
particularmente notável por ela ser totalmente contrária ao supremo dogma
cristão e hindu, que é a total rejeição aos “prazeres terrenos” e - em vez
disso - glorificá-los, reverenciá-los. Ele não busca as grandiosas obras, os
mais árduos feitos, realizações e/ou acontecimentos. O anjo vê o carinhoso
prazer de um suave vento no rosto. Ele vê a ternura de sorver o líquido de um
determinado fruto, com seu especial e único sabor.
E tudo isso é particularmente intrigante pelo fato de que se
analisássemos a esse filme pela ótica cristã e – até mesmo – católica, tal
“anjo” seria, na verdade, um verdadeiro demônio (repare que no filme todos os
anjos se vestem de negro). A matéria é vista pelo cristianismo como o reino do
mal, como o próprio “demônio” descreve em a bíblia para o seu principal
“opositor”, o jovem chamado Jesus. Mais ainda: analisando pela ótica hindu, tal
filme pareceria ainda mais subversivo e maligno por glorificar à “Maya”: Para
os hindus, a matéria é chamada de Maya, e é ela que engana e corrompe o ser
humano. Maya é uma palavra sânscrita que significa “ilusão”.
Mas, é certo um anjo ver beleza em a vida humana? Querer até mesmo ser
um deles? Em uma das primeiras cenas Damiel se interessa por uma simples
caneta, e agarra-a para analisá-la. Quando ele a “pega” fica evidente tanto a
sua própria imaterialidade, quanto ao fato de que na verdade ele não “agarra
com sua mão” à caneta, e sim ele simbolicamente agarra seu mero aspecto
morfológico: seu mero “molde físico”. Seria fácil uma pessoa interpretar a isso
erroneamente como sendo a “alma da caneta” aquilo que Damiel agarra.
“Eu quero lutar por uma história minha.
Quero entrar
para a história do mundo... Ou apenas segurar uma maçã.”
E, então, chegamos ao principal, e que é dito pelo narrador no começo do
filme de forma aparentemente desinteressada, casual, mas que resume de forma
absoluta a verdadeira mensagem do filme, que é a não existência de um mal.
É possível existir Deus, mas não existir a um mal. A idéia de o
dualismo, de que se existe o bem, têm de existir a um mal, pode – e talvez
devesse - ser contestada. O “mal” pode ser visto mais especificamente como um
“erro”, e até mesmo como “irreal”. Pelo hinduísmo, “Maya” (a realidade) é
ilusão. De acordo com “Der Himmel über Berlin”, apenas o “mal” é uma ilusão.
Tudo o mais (desde um feroz trovão, á pequenina risada de um bebê) são não
apenas reais... Mas puros, imaculados: únicos e sagrados. Mesmo uma mentira
pode ser linda ou poética.
“Eu não quero gerar um filho, e nem mesmo
plantar uma árvore”, nos diz o anjo. “Mas seria agradável chegar
em casa cansado no final do dia, e dar de comer ao gato”.
“Deus” existe. E “Ele” existe apenas porque existe a bondade, existe a
ternura, existe a poesia, e existe a beleza. Não é por isso que deve existir a
isso – inevitavelmente - uma oposição. “Diabo”, “demônios”, são apenas símbolos
de erros, de efeitos colaterais, e da raiva. São “fantasmas”.
O “mal” não existe. Só o Amor é real.
“Como devo viver?
Talvez não
seja essa a questão e, sim...
Como devo
pensar?”
Marion
dualismo. [De dual + -ismo.]
S. m. 1. Filos. Doutrina que, em qualquer ordem
de idéias, admite a coexistência de dois princípios irredutíveis. Ex.: dualismo
do bem e do mal. 2. P. ext. Coexistência de dois
princípios ou posições contrárias, opostas.
semiótica. [Do Gr. semeiotiké,
i. e., téchne semeiotiké,
‘a arte dos sinais’.] S. f. 1. Denominação utilizada para a ciência
geral do signo, que estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas de
significação, i. e., sistemas de símbolos.
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário