Em um dia qualquer eu saí para a varanda e
encontrei um pequeno pássaro marrom muito concentrado em acumular pedacinhos de
galhos secos em cima de uma das colunas de minha casa. Sua dedicação em essa
indústria era tanta, que ele nem parecia notar minha presença. Ele passou a
tarde inteira trazendo galho por galho, amontoando-os com tal precisão que em
apenas um dia inteiro de trabalho ferrenho um aconchegante ninho já estava
construído. É um sábia fêmea. Achei estranho ele ter escolhido minha casa, com
tantos gatos por perto...
Não cheguei a contar os dias, mas os três ovos
chocaram em um período que me pareceu, no máximo, duas ou três semanas. Subi em
uma cadeira para olhar e vi que havia três pequenos seres bastante feios,
pelados e com os olhos fechados, que ao menor sinal de minha aproximação
abriram seus bicos ao máximo e ficaram á espera, “pensando” se tratar de alguém
que os iria alimentar. (Saí rápido de lá para não assustar a mãe deles.)
Depois que eles nasceram, outro pássaro (um
pouco maior e bem mais escuro) apareceu. Ficaram os dois por dias seguidos
trazendo alternadamente alimentos para os pequenos, em uma correria
intermitente que me trouxe a imagem associativa de dois marinheiros a tentar
esvaziar um bote furado com baldes, tal era a correria desesperada da dupla em
alimentar ao trio insaciável, que a cada chegada de um dos dois faziam uma
festa histérica em pios e bicos escancarados. Parecia tarefa impossível matar a
fome de qualquer um deles.
Depois de apenas uma semana eu percebi a razão
de tanta pressa da dupla em alimentá-los: o metabolismo dos três era tão, mas
tão rápido, que eles cresciam a olhos vistos. Em um dia seguinte eles já
estavam piando, em outro já estavam de olhos abertos, em outro já estavam com
penas. Nunca vi nenhum outro bicho a crescer tão rápido. Pareciam cogumelos com
penas.
Uma tarde percebi que – dos dois adultos que o
alimentavam – um deles não apareceu mais. Ficou apenas o menor, o mais bonito e
de penas marrons. Foi depois de um dia em que eu vi alguns pássaros negros bem
maiores – que pareciam urubus - por perto. Provavelmente ele deve ter tido uma
romântica e trágica “morte em combate”, em defesa de seu pequenino lar.
De qualquer forma, o menor continuou. Ás vezes
ele trazia - em vez de minhocas - algum pequeno fruto. Trouxe uma vez um tomate
cereja que quase matou um deles, introduzindo-o inteiro goela adentro de uma
vez. O tomate era praticamente do tamanho da cabeça do pobrezinho. Era
evidente a falta de tato do pássaro com seus filhotes. Sempre depois de
alimentá-los ele ficava olhando-os (com aqueles olhos grandes, negros e
inexpressivos), sem nunca fazer nenhum tipo de afago, ou carinho. Ás vezes eu
me esquecia deles e acendia a luz da varanda, á noite, e quando me lembrava
novamente eu saía e olhava para eles e dava de cara com o pássaro marrom
deitado no ninho ninando seus filhos e me olhando com aqueles olhos grandes.
Dava para ver que ele estava bravo comigo.
Estranho a dedicação de esses pássaros adultos
em preservar essas coisinhas tão feias e frágeis. O homem chama a isso de
“instinto”. E mais estranho ainda como temos a ilusão de respondermos a uma
incógnita - ou de desvendarmos algum mistério - apenas definindo-o com
palavras, criando uma nova expressão. “Instinto”. “Instinto” é o que faz um
pequeno ser sem inteligência construir um bonito ninho com galhos secos: Eu,
com toda a minha inteligência e minhas hábeis mãos, apanhei um punhado de
galhos iguais em tamanho e qualidade aos dele, e o máximo que me saiu foi um
amontoado torto e feio de gravetos que nenhum pássaro de respeito teria coragem
de considerar um “ninho”. “Instinto” é o que faz um ser adulto caçar o
alimento, para depois levá-lo e oferecê-lo incondicionalmente a uma coisinha
cega e depenada, que nada fez para merecer qualquer tipo de afeto. Apenas saiu
de seus ovos. De seu pequeno ventre.
“Instinto”.
Uma palavra criada pelo homem, mas que na
verdade não explica absolutamente nada.
Como a palavra “Deus”.
Como a palavra “Alma”.
Como a palavra “Amor”.
“Surpreender-se, admirar-se, é começar a
entender.”
*
3 comentários:
Que linda homengem, adorei seu texto, como sempre tocando com coração das pessoas com lindas palavras!
Instinto ou amor?
Se considerarmos que o "AMOR DIVINO" está em todas as partes está a explicação para tudo o que ocorre ao nosso redor...
o AMOR é silencioso, o AMOR não tem hora, o AMOR não se envaidece...ele apenas acontece!
Gostei muito do texto, parabéns meu amigo!
Cada vez mais me surpreendo com a sensibilidade desse meu irmão... Texto maravilhoso!!! Realmente existem coisas inexplicáveis... e talvez essa seja exatamente a graça delas... (Eu sabia que tinha algo errado lá... majestade com "j"... kkk)
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