Passei
grande parte da minha vida lendo literatura européia. Na escola traumatizara-me
com a literatura Brasileira e Portuguesa, graças ás intransigentes professoras
que empurravam goela abaixo de seus alunos esses livros á força, obrigando-nos
a lermos uma determinada obra, para depois passarmos por uma prova escrita. Peguei
ódio de escritores brasileiros e portugueses (que passei a considerar pedantes
e piegas), e apenas lia as sinopses das obras requisitadas. Cheguei a tirar
notas máximas sem ao menos ter tocado nos livros. Na verdade, consegui gostar
de apenas dois autores (que, aliás, nunca foram recomendados em minha escola
por serem considerados “densos” e complexos demais): Guimarães Rosa e Clarice
Lispector. E, alguns anos depois, descobri a bela e sensual literatura
afro-baiana de Jorge Amado.
Minha rebeldia pela escola não se resumia apenas
aos livros requisitados: Sempre achei ridículo todo o currículo escolar. Para
mim, Matemática deveria servir para ensinar um futuro cidadão a administrar
suas próprias finanças e bens, e não para confundi-lo com equações complexas e
fórmulas que nunca seriam usadas no cotidiano. Literatura deveria ser uma
matéria que estimulasse o aluno a ler, e não despotamente obrigá-lo a ler
gêneros incompatíveis com o seu gosto pessoal. O aluno deve ter o direito de
escolher as obras que vai ler. Só assim o amor pela leitura pode se
desenvolver. Cheguei a tal ponto de meu engajamento que joguei fora meus
cadernos, e passei a freqüentar a escola apenas com folhas esparsas, uma
caneta, e os livros que eu próprio escolhia. E como eu não falava com quase
ninguém na classe (até a oitava série quase ninguém gostava de mim por eu ser
um geek-freak, e eu mesmo colaborava
para ser ignorado) os professores nem pareciam notar o meu descaso. Ou não se
animavam a cutucar a onça.
Ás vezes eu escolhia obras para ler com a
intenção clara de provocar: Na aula de Literatura (que eu achava
particularmente enfadonha) eu ignorava a professora e ficava lendo o “Manifesto
do Partido Comunista”, ou se era algo de literatura, seria o “Processo”, ou o
“Paraíso Perdido”. Quando chegava o dia de algum exame, emprestava na própria
classe o caderno de algum nerd
solícito e rapidamente lia seu conteúdo. Mas nunca tive um desempenho abaixo da
média. Para mim, era o bastante. Preferi ocupar os espaços de minha mente com
informações e conhecimentos que julguei mais apropriados, e não com “quedas de
Constantinopla”, “equações de sétimo grau”, “orbitais moleculares” e “teoria de
Arrhenius”.
Estranhamente, a maioria dos professores
parecia gostar de mim. Talvez porque sabiam que eu tinha uma boa capacidade
intelectual. Eu, também, nunca cheguei a ridicularizá-los, ou a criticar
abertamente as matérias e o currículo escolar. Sabia muito bem que quanto mais
calado e quieto eu ficasse, mais me deixariam em paz. Alguns chegavam até a me
deixar dormir em minha carteira sem me incomodar. E com alguns eu debatia com
interesse e carinho. Eram os professores menos ortodoxos, de cabeça aberta, que
sabiam que um bom diálogo sobre a vida real era muito mais importante do que
copiar retóricas ocas intermináveis. É perfeitamente possível usar essas
matérias escolares de uma forma prática e útil, mas para isso acontecer ela
deve ser fundida com o presente, com o cotidiano do aluno-cidadão, e com o seu
futuro. O currículo escolar deve ser peneirado, lapidado, da mesma forma como
uma biblioteca também deveria ser.
Na minha cidade a biblioteca local possui
bons livros, mas está superlotada de obras medíocres e ruins... E não possui
títulos que seriam essenciais. Como o espaço de qualquer biblioteca é limitado,
é óbvio que ele deve ser bem aproveitado. Revistas de curiosidades mensais e
livros ruins são ótimos para se reciclar.
Como estou falando sobre esse assunto (que
julgo importantíssimo) vou expor outras posições: Acredito que um dos motivos
principais de uma biblioteca não ser um ambiente normalmente freqüentado pelos
jovens seja (afora o trauma por literatura-brasileira que quase todos os alunos
adquirem por serem forçados a lerem) pelo fato de que a biblioteca empresta ou
aluga seus livros. Qualquer dono de empório de livros usados sabe a quantidade
de livros que são furtados das bibliotecas para depois irem para a estante
particular do “intelectual”, ou para serem usados como moeda-de-troca em sebos.
Tanto que a maioria dos empórios que eu conheço não aceita livros que possuem o
carimbo de bibliotecas (fair enough).
Se a biblioteca não emprestasse seus livros, suas obras boas e raras não iriam
mais desaparecer “misteriosamente” junto com o cidadão e a biblioteca voltaria
a ser freqüentada pelos jovens, afinal, eles teriam que ficar lá dentro para
lerem. Quem faz isso sabe que não há nada de desagradável nisso, e muito pelo
contrário, acho que a biblioteca pode ser um dos lugares mais bem-freqüentados
de qualquer cidade, principalmente em termos de civismo e cultura. Nem sei
dizer quantas vezes eu fui para a biblioteca para emprestar algum livro e a
obra (que eu sabia que estava lá) havia desaparecido. E geralmente são livros
caros ou raros. Ou seja, em longo prazo todos os títulos de qualidade
desaparecerão e só sobrarão refugos, livros baratos e superficiais. É triste.
Hoje em dia até os empórios que vendem os livros já estão começando a escassear
em termos de títulos raros e bons. Quem conhece sabe o quanto está começando a
ficar difícil encontrar obras de Borges, Garcia Marques, Hesse, Rosa ou
Lispector. É justamente por isso que eu passei a vida inteira tratando de
estocá-los em minha própria prateleira, da mesma forma como um esquilo armazena
nozes para o inverno.
{Nota
do Autor: Bom, como aproveitei este espaço para falar sobre isto, usarei esta
deixa para legar aos leitores desse meu primeiro livro (que estou escrevendo
com imenso prazer, graças aos imensos incentivos que tive de pessoas que já
leram aos protótipos) a minha lista de uma suposta “Biblioteca Essencial” com
exatos setenta livros, e cada um deles escolhido a dedo por mim. Obviously, ela será influenciada pelo
meu gosto pessoal, por isso, não julgo que todos devam se ater a ela e, muito
pelo contrário, todos deveriam fazer a sua própria. Mas eu acho que já seria um
bom começo aproveitarem-se das obras que gostarem desta minha lista para fazerem a sua própria. Irei
apenas colocar os títulos para não me demorar por demais}:
Demian; Sidarta; Lobo da estepe; O
Castelo; O Processo; Dom Quixote; A Tempestade; O Estrangeiro; 1984; A Morte de Ivan Ilitch; A Ilha; O Paraíso Perdido; As Palavras; Doutor Fausto; Fausto; Relato de um Náufrago; Doze Contos Peregrinos; Cem Anos de
Solidão; Satiricon; Os Irmãos
Karamázovi; O Retrato de Dorian
Gray; Retrato do Artista quando Jovem; Martín
Fierro; Uma Temporada no Inferno; Odisséia;
Mensagem; Assim Falou Zaratustra; O
Anticristo; A Gaia Ciência;
Discussão; Metamorfoses; Tao Te
Ching; Imitação de Cristo; O Presente
da Águia; O Fogo Interior;
Sagarana; Manuelzão e Miguilim;
Grande Sertão Veredas; Noites do Sertão;
Nossa Senhora de Paris; A Paixão
segundo GH; Laços de Família; Prometeu
Acorrentado; Cândido; O Livro
dos Sonhos; Ulisses; Sete anos no
Tibet; Sonho de Uma Noite de Verão; História
da Eternidade; Elogio da Sombra; Bhagavad
Gita; Uma Breve História do Tempo; Deuses
Americanos; A Voz do Fogo; Em Busca
do Tempo Perdido; O Tambor; Admirável
Mundo Novo; O Poder e a Glória; O Despertar dos Deuses; Os Demônios de Loudon; Uivo; A Morte de Artemio Cruz; Suave
é a Noite; Dois Vivos e um Morto;
Contos Romanos; Os Trabalhadores do Mar; Verdade Tropical; O Pagador de Promessas; O Morro dos Ventos Uivantes; O Tao da Física.
Senti num vislumbre tantas portas abertas,
Mas não sei em qual entrar...
E tantos livros me deram pistas desse caminho,
mas temo não voltar.
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