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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O `KUNG FU` SERIA EFICAZ EM UMA LUTA REAL?





     Durante os últimos trinta anos vimos o surgimento de toda uma nova geração de lutas marciais impulsionadas pelo MMA, que são os modernos Torneios de Lutas Marciais Mistasderivados do antigo "Vale-tudo" da década de noventa. Até meados de os anos oitenta todas as diferentes técnicas de os mais variados países sempre se mantiveram em um aparente equilíbrio com relação ao número de praticantes e escolas, e qualquer discussão a respeito de qual delas seria a mais eficaz seria um tema sem conclusão.
    

     Entretanto, após a modernização - e até mesmo reformulação - de as técnicas do Jiu-jitsu no Brasil após a chegada de o célebre mestre Conde Comaficou-se bastante notória a sua maior eficácia como luta quando confrontada com qualquer outra técnica. O Jiu-jitsu, apesar de não focar em golpes de contusão como murros ou chutes talvez seja, de fato, a técnica de luta mais funcional de todas, e justamente por esse seu aspecto estratégico de se focar em a completa imobilização do adversário. Grosso modo, não é injusto dizermos que o Jiu-jitsu torna-se, por fim, mais especificamente uma espécie de "anti-luta", pois que a sua tática - apesar de bastante ofensiva - destina-se tenazmente a impossibilitar o oponente de atacar.


     Justamente por essa abordagem marcial estratégica que se originou seu nome, cuja tradução livre poderia ser algo como "luta suave", o que enfatiza o seu aspecto estritamente calculista em contraposição a qualquer outra forma de luta que venha abranger golpes contusivos, como o Muay-Thai, por exemplo.  


     Outrossim, na verdade as técnicas do Jiu-jitsu pouco possuem de "suave", visto que grande parte de seus ataques - em golpes como os famosos "cervicais" e as chaves "Ezequiel" e "Kimura" - focam em estrangulamentos, deslocamentos de membros e até mesmo em fraturas que podem causar severos traumas como até mesmo paraplegias. E também é importante frisarmos que essa incontestável superioridade do Jiu-jitsu quando confrontada com qualquer outra forma de luta em um ringue é apenas uma realidade com respeito a uma hipotética luta entre apenas duas pessoas, e justamente por esse seu enfoque característico em uma luta corporal à curta distância.


Essa superioridade do Jiu-jitsu facilmente se esvairá em qualquer combate contra mais de um oponente.



Mas, e quanto ao Wushu? Porque não vemos a verdadeiros lutadores de Kung Fu em esses famosos torneios de lutas mistas?


     Primeiramente, porque grande parte de o antigo e verdadeiro Wushu Tradicional praticado na China focava em um eminente combate de vida ou morte. Em as formas baseadas em os animais que possuem garras, por exemplo, um longo, severo e doloroso treinamento era realizado pelos monges lutadores ao extremo de adquirirem força física em suas mãos para até mesmo serem capazes de esmagar e arrancar aos órgãos internos de seus adversários com suas próprias mãos. Óbvio que jamais seria admissível a aplicação de tais técnicas em uma competição esportiva moderna.


     O primeiro Chin Na que aprendi com meu mestre de Garra de Águia, por exemplo, tratava-se de uma técnica para defender-se de um gancho com um cruel deslocamento de cotovelo, tido por algumas fontes como a fratura mais dolorosa que um ser humano pode sentir. Em outro Chin Na - que finalizava com um estrangulamento com uma mão só usando-se os dedos em garra - nosso Sifu nos explicou que para a correta aplicação de tal técnica deveria-se buscar encostar as extremidades do dedão e do indicador dentro da própria traquéia de seu oponente. Citemos ao Tang Lang (Louva-deus) como outro exemplo: golpes fulminantes com as extremidades dos dedos em órgãos sensíveis, como os olhos e a jugular. Também vi a uma demonstração de um amigo que praticava aoLoong Quan (forma do dragão) de um golpe que visava teoricamente entrar com os dedos em garra pelos lábios do adversário para causar um horrível rasgo na pele de seu rosto, ou seja, tais técnicas visavam obviamente a um combate que somente terminaria com a morte, e causando-se danos estruturais grotescos visando-se, talvez, intimidar com tais demonstrações de crueldade e sangue frio aos inimigos sobreviventes que os testemunhassem.


     Em suma, não fica difícil compreendermos porque o Wushu tornara-se apenas uma filosofia de vida para seus praticantes de hoje em dia. Nenhuma escola de "kung fu" atual ensina a matar. Deve-se compreender que na época em que a arte-marcial chinesa se desenvolveu fora um cruel período de muitas guerras, e não apenas entre países, mas entre tribos, vilarejos e até mesmo famílias. Em essa estranha e mórbida época das "conquistas de territórios" era muito comum um pai de família manter em sua casa em algum lugar a uma espada muito bem afiada, para o caso de alguma turba de vagabundos invadi-la para roubar-lhe seus bens e sua mulher.


     A verdadeira tradição da arte marcial chinesa Wushu deve focar apenas em o ideograma conhecido como "GONG", ou seja, o "kung fu" chinês jamais deve focar em relez "campeonatos esportivos", ou em "ganhar" ou "perder".


     O Wushu jamais deve ser usado em competições que visam o lucro. Nenhum verdadeiro praticante de Wushu treina para fazer "exames de faixa", ou para colecionar "medalhas de ouro".


     O verdadeiro praticante treinará todos os dias, e por toda a sua vida...

Mas todo esse treinamento terá como fim apenas o próprio treinamento.


O praticante de Wushu que se vangloriar de sua faixa preta e de suas medalhas, ou que entrar em uma competição por dinheiro, nunca será, de fato, um Sifu. 

Será apenas um lutador.



Este texto faz parte do livro de Herácides Gimenez (Saides Lamarca) chamado "A Dança do Tigre Branco"




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Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom! Inclusive é o que meus mestres na academia sempre frisam: o embate de si mesmo. Kung Fu é sempre uma história de superação com seu próprio corpo ao ponto de quanto mais ganhamos consciência e domínio sobre ele, estaremos seguros e corajosos pra enfrentarmos situações em que a plena conversa não resolveu.