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terça-feira, 23 de outubro de 2012

O DIABO EXISTE?




Existe o mal?”


     Esta é a principal indagação feita por  “Damiel” (Bruno Ganz), o protagonista e narrador de a história do belíssimo filme alemão “Asas do Desejo”, feito pelo genial Win Wenders. Damiel, na verdade, não é um ser humano. Damiel é um anjo. Ele é um anjo que – como todo anjo obviamente deveria ser para exercer sua função de maneira satisfatória – ama apaixonada e incondicionalmente ao ser humano, chegando ao extremo de decidir abandonar a seu cargo de “sentinela d`a humanidade” para vestir a “armadura de carne” dos homens e – pela primeira vez em sua angelical existência – “viver”. Viver como um homem comum.



     O que mais me interessou em esse filme tão especial é exatamente essa essência, que é a gigantesca ternura que Damiel sente incondicionalmente pelas pessoas, e por seus casuais e amenos cotidianos. O anjo, desde o início, descreve para o seu amigo (“Cassiel”, outro anjo, evidente) de as coisas que ele pensa serem as mais poéticas e belas e – surpreendentemente – não são as mais transcendentais, nem as mais importantes, e nem ao menos as politicamente corretas. Ele se interessa pelos detalhes que qualquer ser humano normal veria como fútil, previsível ou banal. Um dos exemplos de que ele descreve é o seu carinho especial pelos cumprimentos comuns de acenos de mão entre os homens que apenas se conhecem superficialmente.



     E justamente essa sua essência (de essa apologia explícita á existência física humana e, conseqüente e inevitavelmente – á própria matéria) é particularmente notável por ela ser totalmente contrária ao supremo dogma cristão e hindu, que é a total rejeição aos “prazeres terrenos” e - em vez disso - glorificá-los, reverenciá-los. Ele não busca as grandiosas obras, os mais árduos feitos, realizações e/ou acontecimentos. O anjo vê o carinhoso prazer de um suave vento no rosto. Ele vê a ternura de sorver o líquido de um determinado fruto, com seu especial e único sabor.




     E tudo isso é particularmente intrigante pelo fato de que se analisássemos a esse filme pela ótica cristã e – até mesmo – católica, tal “anjo” seria, na verdade, um verdadeiro demônio (repare que no filme todos os anjos se vestem de negro). A matéria é vista pelo cristianismo como o reino do mal, como o próprio “demônio” descreve em a bíblia para o seu principal “opositor”, o jovem chamado Jesus. Mais ainda: analisando pela ótica hindu, tal filme pareceria ainda mais subversivo e maligno por glorificar à “Maya”: Para os hindus, a matéria é chamada de Maya, e é ela que engana e corrompe o ser humano. Maya é uma palavra sânscrita que significa “ilusão”.



     Mas, é certo um anjo ver beleza em a vida humana? Querer até mesmo ser um deles? Em uma das primeiras cenas Damiel se interessa por uma simples caneta, e agarra-a para analisá-la. Quando ele a “pega” fica evidente tanto a sua própria imaterialidade, quanto ao fato de que na verdade ele não “agarra com sua mão” à caneta, e sim ele simbolicamente agarra seu mero aspecto morfológico: seu mero “molde físico”. Seria fácil uma pessoa interpretar a isso erroneamente como sendo a “alma da caneta” aquilo que Damiel agarra.



“Eu quero lutar por uma história minha.


Quero entrar para a história do mundo... Ou apenas segurar uma maçã.”




      E, então, chegamos ao principal, e que é dito pelo narrador no começo do filme de forma aparentemente desinteressada, casual, mas que resume de forma absoluta a verdadeira mensagem do filme, que é a não existência de um mal.




     É possível existir Deus, mas não existir a um mal. A idéia de o dualismo, de que se existe o bem, têm de existir a um mal, pode – e talvez devesse - ser contestada. O “mal” pode ser visto mais especificamente como um “erro”, e até mesmo como “irreal”. Pelo hinduísmo, “Maya” (a realidade) é ilusão. De acordo com “Der Himmel über Berlin”, apenas o “mal” é uma ilusão. Tudo o mais (desde um feroz trovão, á pequenina risada de um bebê) são não apenas reais... Mas puros, imaculados: únicos e sagrados. Mesmo uma mentira pode ser linda ou poética.



Eu não quero gerar um filho, e nem mesmo plantar uma árvore”, nos diz o anjo. “Mas seria agradável chegar em casa cansado no final do dia, e dar de comer ao gato”.



     “Deus” existe. E “Ele” existe apenas porque existe a bondade, existe a ternura, existe a poesia, e existe a beleza. Não é por isso que deve existir a isso – inevitavelmente - uma oposição. “Diabo”, “demônios”, são apenas símbolos de erros, de efeitos colaterais, e da raiva. São “fantasmas”.

O “mal” não existe. Só o Amor é real.






“Como devo viver?


Talvez não seja essa a questão e, sim...


Como devo pensar?”


Marion






dualismo. [De dual + -ismo.] S. m. 1. Filos. Doutrina que, em qualquer ordem de idéias, admite a coexistência de dois princípios irredutíveis. Ex.: dualismo do bem e do mal. 2. P. ext. Coexistência de dois princípios ou posições contrárias, opostas.

semiótica. [Do Gr. semeiotiké, i. e., téchne semeiotiké, ‘a arte dos sinais’.] S. f. 1. Denominação utilizada para a ciência geral do signo, que estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação, i. e., sistemas de símbolos.






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