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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A TRISTE HISTÓRIA SOBRE O HOMEM QUE COMETEU SUICÍDIO


A sofrível vida de Oscar


“Enquanto você não tiver morte e gênese
será um turvo hóspede
do lado escuro”

J.W. v. Goethe


     Oscar não era apenas um rapaz comum como todos os outros de sua escola, ou de seu bairro. Não, ele era bastante especial. Desde pequeno Oscar mostrou-se um garoto extremamente precoce, adquirindo muito cedo o hábito pela leitura, impulsionado por não sei que obsessão cega por adquirir cada vez mais conhecimentos. Quando Oscar se tornou um adolescente, quase todas as pessoas já eram vistas por ele como estúpidas, e exatamente por isso começou a se tornar praticamente impossível para ele estabelecer amizades sólidas e, principalmente, relacionar-se com as garotas de sua idade. Na verdade Oscar era intratável até mesmo com as pessoas mais velhas, mas isso não era mais culpa d`ele, pois quando percebeu que estava ficando sozinho ele começou a esconder sabiamente seus conhecimentos e aspirações a fim de tentar ingenuamente se adequar aos parâmetros predominantes, mas as pessoas, apesar de estúpidas, facilmente percebem até mesmo inconscientemente quando uma pessoa é por demais inteligente e sagaz - mesmo ela se disfarçando de burra – e,  muito rapidamente, tratam de se afastar d`ela. E a verdade é que o mundo inteiro parece odiar aos gênios, inclusive Oscar se lembra claramente de um filme que ele assistiu há muito tempo em que o protagonista – irritado com os argumentos de um jovem garoto que o convencia de que ele estava errado – simplesmente lhe disse exatamente d`este jeito: “Ninguém gosta de espertinhos.” E é realmente isso. Ninguém, mesmo, parece gostar de espertinhos.



     E quando Oscar tentava conquistar as mulheres? Pensando mostrar a elas o que ele tinha de “melhor”, Oscar mostrava a elas que ele era um homem sábio, bondoso e gentil, ou seja, apenas o que ele ingenuamente imaginou como sendo as características perfeitas para um homem ter para cativar as mulheres. Ledo engano. Oscar sempre era trocado por homens inferiores, em todos os sentidos. Perdia para os mais feios que ele (sim, ele também era belo). Perdia para os ignorantes, e os mal-educados. Perdia até mesmo para os porcos, homens desleixados que não lavavam sequer os cabelos, e até mesmo tinham halitose. Oscar não conseguia entender isso, e todas essas derrotas para os “perdedores” foi revoltando-o, pouco a pouco, até que em um certo momento qualquer de sua vida ele já não era mais um rapaz confiante de suas qualidades e orgulhoso de suas capacidades e, sim, um homem amargo e rancoroso que começou a alimentar um desprezo tenaz pelo mundo inteiro, por ser renegado por eles ao ostracismo sendo que, na verdade, eles é que estavam errados chafurdando na ignorância e na mediocridade. Isso não era justo. Então o mundo, para Oscar, virou uma terra de idiotas que começou a ficar cada vez mais hostil, até o ponto em que ele definitivamente passou a se sentir totalmente excluído d`ele. E, então, Oscar se tornou uma pessoa má.



    Não vou entrar em detalhes minuciosos sobre os acontecimentos secundários de sua vida porque não irá haver nenhum tão importante em particular (o inferno está nas pequenas coisas), apenas darei parcos exemplos, como o fato de que até mesmo sua sorte parecia conspirar contra ele mesmo. O próprio destino parecia rir-se dele. Perdia ônibus, trens, aviões e reuniões por segundos de atrasos involuntários; Nos consórcios, quase sempre ele era um dos últimos a serem sorteados; E que dizer de concursos, então? Oscar invariavelmente perdia, e parecia muito pouco importar a falta de aptidão e/ou competência de seus adversários. Aparentemente, a única qualidade que parecia suficiente para qualquer um tomar a frente de Oscar era ser inferior a ele. Entrevistas de emprego? Das piores desilusões. Quanto mais qualidades ele demonstrasse, tanto mais desinteresse parecia demonstrar seus entrevistadores. “Ninguém gosta de espertinhos”. Essa era a frase maldita, para Oscar. A sua maldição.



     Até que, em um belo dia, Oscar decidiu o que parecia que não era apenas o que ele desejava, mas sim, o mundo inteiro: Acabaria com a sua própria vida. Primeiro, impulsionado pelo ódio, Oscar pensou em se matar, mas antes levando consigo quantas pessoas odiosas ele pudesse se vingar. Pensou, primeiro, em comprar uma arma e um estoque suficiente de munições e sair executando aos entrevistadores que não lhe deram emprego por se sentirem inferiores a ele. Depois pensou em colocar uma bala entre os olhos de cada imbecil que o venceu nas disputas amorosas, e de preferência na frente das próprias mulheres. Apenas depois de feito isso daria cabo de sua própria vida, não sem antes fazer bastante estardalhaço em público, com direito á polícia, repórteres de televisão e tudo o mais, para que todos testemunhassem o que o mundo fez a ele... Em quê o mundo o transformou. Mas, enfim, depois de meditar um pouco, terminou por decidir pelo simples e silencioso suicídio. Que se danem esses idiotas, a única coisa que ele realmente queria era finalmente desaparecer do meio d`eles. De uma vez por todas.





     Chegado o momento, Oscar colocou algumas balas no revólver (para o caso de a primeira bala falhar), escreveu um “FODAM-SE” bem grande, mas bem grande mesmo, na parede de sua sala, sentou-se em uma cadeira e, sem vacilar um segundo pra não perder a coragem, apertou o gatilho. O estouro da arma entrou em seu ouvido (junto com o projétil) como um gigantesco sino que badalasse dentro de sua cabeça, tudo ficou branco por um instante, depois preto, seu outro ouvido continuou ouvindo o zumbido causado pelo forte estampido por alguns segundos, e ele caiu com estrondo ao chão, sentindo um líquido viscoso e quente descendo pelo seu pescoço. Ficou, então, imóvel, com a indescritível certeza de que ele estava morrendo. A arma havia caído um pouco afastada dele, embaixo da mesa da sala, e ele estava de bruços. Mas ele não morria. E, acredite se quiser, ele não sentia dor alguma.


     Oscar abriu seus olhos e viu que ainda enxergava, e na verdade a única coisa que lhe havia acontecido com o disparo à queima-roupa que ele deu em sua própria cabeça era um estranho adormecer de todo o lado de sua cabeça onde ele havia efetuado o disparo, e nada mais. Levantou-se devagar, desconfiado e confuso, apalpou o ferimento (que ainda parecia sangrar, mas continuava dormente) e pensou em ir ao banheiro se lavar (estranho pensamento), mas quando ele põe-se de pé percebe que não está mais sozinho: Sentado em uma poltrona de sua casa uma pessoa desconhecida trajada de branco está, e parece calmamente aguardar que ele a veja, e fale com ela. E, de fato, ele fala:



- O que aconteceu? – pergunta Oscar, em choque.
- “O que aconteceu”? Você acaba de se suicidar, meu caro.
- Mas porque eu não estou morto? – pergunta, olhando para a grande quantidade de sangue que está em suas mãos.
- Porque você não estava vivo. 
- Como assim?
- Você não estava vivo. É normal você não se lembrar, mas você morreu há muito tempo atrás... Na verdade você nem ao menos se chamava “Oscar” quando isso aconteceu. Você apenas não se lembra de nada, e todo este tempo você imaginava que era vivo, que estava vivendo em um mundo “normal”, digamos... Mas não. Você não foi á lugar nenhum depois desse disparo, porque aqui não é o “mundo”, meu caro... Para irmos direto ao ponto, você está no inferno, Oscar.
- Inferno?
- Sim. O “seu” inferno, Oscar. Um inferno só seu.
- Mas o que eu fiz para estar aqui?!- ele esbraveja apavorado – O que eu fiz?!
- Você não fez nada de especial.- diz o estranho homem – Me entenda, Oscar, preste bem atenção ao que eu vou lhe dizer. Você não fez nada de especial. Eu vim aqui para lhe buscar, apenas, e não serei eu quem lhe dará as respostas que você quer. Nem as de que você precisa.
- Eu estou do lado de Deus! – grita Oscar com energia – Dá pra você entender isso?! Eu estou do lado de Deus! Porque ele me abandonaria neste lugar? Eu não fiz nada!


     O homem que está a falar com Oscar suspira e parece meditar por um instante. Então ele se levanta, agarra Oscar por um braço, e com bastante solicitude o leva a sentar-se no sofá. Ele, então, volta a se sentar na poltrona.


- O inferno não está em lugar nenhum, criatura. Este “inferno” onde você está trancado há tanto tempo que lhe fez pensar ser esta a “vida normal humana”, nada mais é do que um invólucro gerado por tua própria consciência alimentada pela culpa. – começa a explicar o homem, pacientemente.
- Quem é você? – pergunta Oscar, num súbito.
- Você pode dizer que eu sou um “anjo”. Não seria correto chamar-me “demônio” porque eu não estou aqui para lhe fazer mal.
- Culpa?
- Sim. Da mesma forma como você pode muito bem me chamar de “anjo”, podemos chamar toda esta ilusão de “inferno”, entretanto, ao mesmo tempo não estamos nem um pouco errados em denominarmos esta tua própria criação de “inferno” porque a função d`ela é justamente essa: A de atormentar a tua alma. A de fazê-lo sofrer.
- Mas eu não fiz nada!
- Sim, você fez. Em sua vida terrena você foi uma pessoa odiosa, “Oscar”, mas preste atenção agora, criatura, ninguém o condenou ao inferno. Deus não o condenou ao inferno.
- Não?
- Não, Oscar. Você mesmo se condenou, segundos após deixar tua vida terrena. Todos nós somos fagulhas desprendidas d`a Luz Infinita a que você denomina “Deus”, Oscar, e a parte de Deus que está dentro de você, a centelha pura e imaculada da Verdade Absoluta que é você mesmo, foi quem o condenou. Você mesmo se condenou. Sua própria consciência.
- Você é o demônio? – perguntou Oscar, ainda confuso?
- Não, Oscar. Não sou. Onde está o “demônio” neste inferno, Oscar? Você, alguma vez, já o viu? Digo, “pessoalmente”?
- Não... – ele responde, olhando para o chão.

- Você não o viu, porque esse “símbolo” não faz parte de tua formação, Oscar. Não fez parte de tuas fantasias, e nem de teus símbolos. Como você nunca foi uma pessoa, digamos assim, religiosa, você teve a (talvez) vantagem de sua consciência não ter te torturado com visões horríveis como essa, de demônios grotescos que fazem maldades com as pessoas. Acredite-me, Oscar, algumas pessoas têm a capacidade de gerarem “infernos” horríveis dentro de si mesmas, de fazerem Bosch, Blake e Dante parecerem ingênuos... – ele diz essas palavras com gravidade, parecendo buscar algo nos olhos de Oscar - O “diabo”, Oscar, é um fantasma. Um fantasma gerado pela maldade humana. De quem é a culpa de as desgraças que você viu quando estava vivo? Sim, eu sei, você não se lembra de sua vida, apenas d`essa sua fantasia horrível que você mesmo criou, esse mundo injusto e sádico onde você sempre perdia. Mas de quem é a culpa dos assassinatos? De quem é a culpa da fome? De quem é a culpa do ódio? Da maldade, enfim? Do “diabo”? Não, meu caro. A culpa é apenas dos homens. O diabo é apenas um símbolo d`essa maldade humana, que pode até mesmo ser visto como um “bode expiatório”. Está vendo? Até mesmo é, de fato, um bode. Mas entenda-me, não estou defendendo ao diabo, porque ele nada mais é do que isso: um fantasma. Onde terá o diabo poder, onde Deus está? Em lugar algum. Quando o diabo poderá destruir uma pessoa protegida por Deus? Nunca. Não tenha medo, Oscar, porque não há nada a temer em um universo governado por Deus. A única coisa que vossa mercê necessita, agora, fazer, é perceber, descobrir, porque sua consciência o torturou tanto. Diga-me, Oscar, o que, exatamente, sua própria consciência usou para te machucar?


     Oscar, então, explode em um forte choro, escondendo seu rosto com suas mãos. Ele fica por um bom tempo chorando forte como se fosse um garoto, e o estranho homem apenas espera calado, calmamente sentado ao seu lado. Quando Oscar parece se cansar de chorar, diz:

- Ela fez o meu próprio orgulho me massacrar – começa Oscar, surpreso pelo próprio súbito entendimento – ela transformou minhas próprias qualidades em defeitos em um mundo imperfeito onde eu não admitia perder. E eu me tornei em um fascista moral, capaz de matar aos que eu julgava serem inferiores como se eu fosse um nazi. E, então, todas as minhas qualidades apodreceram maculadas pelo rancor e pelo orgulho.

- O que você aprendeu, então, com tudo isso? – pergunta o homem, com curiosidade.
- Que a virtude que espera uma recompensa é uma virtude suja.
- Bom. – disse o homem – muito bom. Se você tivesse percebido isso antes de efetuar o disparo, teria saído d`esse teu pesadelo do mesmo jeito. Mas sem nenhum sofrimento. Venha, garoto, você já sofreu demais. Agora você precisa descansar e, depois, continuar a sua jornada por este nosso maravilhoso universo. Claro, quando você estiver preparado, e assim o desejar.
- Eu acredito em Deus. – diz Oscar, comovido – Eu acredito em Deus.
- Eu sei, Oscar. Eu sei.


Finis operis





Percorrendo os sete infernos, vê o Paraíso.
Vá, ele diz
Você não tem nada a perder.”

Rose Ausländer

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Rose Ausländer

3 comentários:

Saides LaMarca disse...

Esta historia na verdade é uma especie de desabafo interno... ou, melhor dizendo, um suicídio virtual rsrssr... comecei a escreve-la sem a menor ideia do rumo q ela iria tomar... talvez seja mais uma de minhas catarsis

Eder Brasil disse...

Show de bola Sides!!
eu acredito que funciona realmente desta maneira!

Unknown disse...

Quando penso que não, lá vem meu irmão gênio pra me impressionar e surpreender com sua hipersensibilidade e criatividade...
Simplesmente sensível, imprevisível e delicioso este conto!!!