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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

PREFÁCIL DO MEU LIVRO "QUANDO AS PESSOAS TINHAM ALMA", A SER PUBLICADO EM 2012


Onde o leitor atento poderá ficar a par (com esmerado deleite) de os desígnios e esperanças por detrás de a pluma e nanquim d`este vosso honrado e versado autor
Saibam todos que “Quando as pessoas tinham alma” é o resultado de um projeto principiado em 2007 e finalizado em meados de 2011. No início, a idéia era realizar um romance comum (com começo, meio e fim), mas confesso não conseguir conceber nenhuma trama principal que fosse valer a pena, para depois centrá-la em minha obra e fazer com que todos os outros elementos (ação, cenários e personagens secundários) orbitassem harmonicamente em seu redor.

Mas... o quê poderia ser? Algum marginal seqüestraria a namorada do protagonista, e ele então sairia pelas ruas da cidade batendo em todos os delinqüentes que encontrasse, até finalmente resgatá-la e chegar ao beijo final? Penso eu já ter visto algo semelhante em algum lugar... Ou então Gustavo ficaria sabendo que ele era o “escolhido” para salvar a humanidade, mas a perda de seu amor e a transfiguração de seu rosto o transformaria em um tirano cruel com uma máscara preta e crises de asma... Não, isso é puro “Livro de Jó” ás avessas, bíblico demais para meu gosto... Ou então seria ele perseguido por dois bandidos (um seria franzino e malvado, o outro grandão e tonto), mas contaria com a ajuda de seu fiel cachorro, que de tão inteligente e astuto por muito pouco não anda sobre duas patas e recita aforismos em latin (pegaram o trocadilho?)... Não, não, lembra-me algum filme que vi na televisão aberta ás três, ou quatro horas da tarde.
Decidi, então, escrever o livro como se cada capítulo fosse um conto. Como cada dia da semana. Como a vida. Claro que tentei seguir certa cronologia, e que muitos detalhes estão interligados, ou seja, o leitor poderá ler qualquer capítulo a esmo se quiser, mas se seguir a seqüência normal do livro entenderá melhor o desenvolvimento da obra. Se optar por ler fora de ordem, apenas repare em os capítulos que estiverem como “parte 1 de 3”, ou “parte 4 de 6”, por exemplo: estes fazem parte de uma pequena trama cujos capítulos realmente estão interligados.

Quanto ao estilo, analisando-me agora mesmo enquanto escrevo estas linhas, percebo que talvez tenha predominado um tom um tanto quanto debochado (ás vezes sutil, ás vezes cáustico...). O proêmio e os epígrafes, por exemplo, foram escritos ao estilo grandiloqüente e heróico das obras literárias dos séculos XV, XVII, com muito brilho e estridência, mas de forma burlesca, satírica (como o próprio Miguel de Cervantes Saavedra também o fez...). Grande parte do livro manterá essa ironia. Aliás, um amigo meu chegou a me dizer que até mesmo as canções que eu compus são um tanto quanto sarcásticas... ele chegou a usar o adjetivo “escárnio”... Pode ser. Quando comecei a escrever (e pra falar a verdade, durante todo o processo), em nenhum momento cheguei a pensar em deliberadamente fazer um trabalho que fosse vertebrado pelo humor. Acabou vindo naturalmente quando - em meio a descrições de coisas absurdas e caricatas do dia-a-dia - era impossível para mim me manter passivo e não me manifestar com algum comentário “espertinho”. “O humor é o sorriso da rebelião”, como diria Miguel. Quem me conhece sabe que é impossível para eu não denunciar o ridículo e o nonsense do cotidiano, justamente porque são os elementos da vida que julgo os mais divertidos. E, também, é ótimo poder vingar-se de pessoas e coisas desagradáveis, ridicularizando-as e fazendo todos rirem delas. Meus “coleguinhas” da escola (em minha infância) me ensinaram muito bem isso, pondo-me apelidos pejorativos por estar cego do olho direito, e fazendo-me correr atrás de meu boné (que jogavam uns aos outros na hora do recreio) para tapar novamente a minha careca (que possuía por estar com câncer e submetido à quimioterapia). Resultado: Quando me tornei adolescente, fui para o fundo da sala de aula, comecei a me vestir de preto, ouvir rock, não falar com ninguém, e bater em qualquer um que me desse vontade. Apenas em um ano escolar (acho que era a oitava série) cheguei a bater em uns oito garotos da minha classe (não ao mesmo tempo, claro). Estranhamente, pararam de me importunar.

Bom, voltemos ao livro. Talvez a idéia motriz tenha sido o meu desejo inconsciente de uma catarsis. Realmente essa obra - para mim - serviu como um autêntico nosce te ipsum... e um eficiente “dreno”. Uma válvula de escape. Também me serviu como uma autoabsolvição, e talvez até mesmo como autojustificativa. Posso parecer ridículo agora, mas cheguei mesmo a reviver algumas coisas que narrei, rindo novamente, me emocionando (and sometimes that even brought tears to my eyes, I tell you) enquanto as escrevia. Tanto que quando terminei sentia-me exaurido, mas ao mesmo tempo absolvido, leve, redimido, como depois daqueles retiros espirituais católicos da infância, em que de tanto trabalharem com o mea culpa e depois com o subseqüente perdão “crístico” (tática “belisca-e-assopra”, bastante eficaz), terminam por inevitavelmente derrubar os bloqueios psicológicos do jovem e fazê-lo repensar sobre sua interação familiar e seus próprios valores. Catarsis, como eu já disse. Uma excelente terapia de renascimento.

Discorrendo abertamente sobre a técnica narrativa, lembro-me de que chamou-me a atenção recentemente um livro de uma autora nascida na Indochina “francesa”, chamada Marguerite Duras: seu estilo literário (pela análise da crítica) constituía-se pelo que - na época - fora denominado “escola do olhar francesa”; Um aspecto predominantemente objetivo, mas “visual” e – sobretudo - superficial (no bom sentido do termo) e inespecífico. Ou seja, sua narração limitar-se-ia á realidade substancial, deixando a subjetividade emocional ao domínio do leitor para que fizesse ele o que quisesse com tudo isso. Achei extremamente interessante pelo fato de que me pareceu bastante eficiente para estimular a interação pseudoparticipativa de quem se dispusesse a lê-la, e porque essa técnica resultou – apesar de ela ser agradável e parecer eficaz, também, para mim - coincidentemente oposta à minha: contrariamente a essa “escola do olhar”, minha técnica narrativa é propositadamente pobre em termos visuais, incentivando a subjetividade substancial, e concentrando-se ao máximo nos aspectos sentimentais, filosóficos e morais subentendidos nela. O leitor poderá facilmente perceber que, deliberadamente, não me importei de descrever fisiologicamente ao protagonista e nem à maioria dos cenários e personagens com que ele interage. Ou seja, ao contrário do que fez (e lhe valeu o prêmio “Goncourt” de 84, por sinal) a respeitável Sra. Duras, preferi ajudar meu leitor com respeito aos pareceres “internos”, deixando-lhes quase toda a estética ao seu bel prazer.
Houve uma obra do ótimo autor italiano Alberto Moravia que muito me pareceu algo como um “irmão maligno” do “Quando as Pessoas...”, um gostoso e muito engraçado livro chamado singelamente de “Contos Romanos”. Se eu o tivesse lido antes de escrever o meu livro, com certeza teria sido bastante influenciado por ele.

Oh, mais um detalhe que julgo peculiar: Acabei de me lembrar de que me surpreendi positivamente quando li o posfácil de “The Graveyard Book”, de Neil Gaiman, onde ele confessava que havia começado a escrever sua obra pelo capítulo quatro... Este meu livro foi começado em 2007 pelo capítulo três!...
E digo mais, fazer o desenvolvimento psico-analítico do relacionamento de Gustavo com sua conjugue naquele capítulo específico, por exemplo, exigiu tanta meditação sobre a minha psicologia particular, e estudo metódico imparcial da minha parte (talvez não tão imparcial, não?) que no final dele – me custou uma tarde inteira escrever apenas este capítulo – fiquei tão esgotado, que cheguei sinceramente a pensar que escrever um livro inteiro estava acima de minhas possibilidades: se eu continuasse naquele ritmo, levaria cerca de dez anos para terminar tudo. Intimidou-me tanto que fiquei meses desestimulado a escrever meu livro... Por fim acabei voltando a escrever aos poucos, quando empecei a redigir os ensaios que estão nos capítulos trinta e nove, quarenta, e quarenta e um, para um “jornal” que acabou por os não aceitar. Tanto melhor.

Quanto á “índole” absoluta do projeto, confesso que tive de repensar sobre minha finalidade e finalmente optar entre o “negro” ou o “branco”. Não quis fazer uma obra “cinzenta”, “vermelha”. Gustavo seria um “anti-herói” (tão em voga ultimamente) ou um “mocinho”? Por fim, terminei por suprimir uma infinidade de coisas, tais como palavrões, menções ao consumo de substâncias ilícitas, descrições sexuais explícitas, violência física ou vandalismos ocasionais. Ou seja, capítulos inteiros (e até muitos personagens) foram eficientemente deletados. Muita coisa desapareceu sem deixar vestígios, mas também muita coisa boa surgiu para preencher o vácuo gerado. Os palavrões e toda essa desordem que citei acima foram suprimidos não por falso moralismo ou hipocrisia (afinal de contas, quem me conhece pessoalmente sabe que eu utilizo palavrões em meu vocabulário cotidiano aos borbotões, e também não sou o melhor exemplo de conduta social padrão), mas simplesmente porque quando eu lia o que havia escrito e encontrava tudo isso, tinha a desagradável sensação de estar lendo uma versão literária de pornôs chanchadas brasileiras da década de setenta, com seus cachaceiros boca-sujas de costeletas e calças boca-de-sino espancando prostitutas feias em frente a botequins de favelas cariocas. E a última coisa que eu quero é que meu livro seja uma obra vulgar. Os poucos palavrões que mantive deixei-os propositadamente em inglês (aliás, aproveito para pedir ao editor para que NÃO ponha notinhas de rodapé traduzindo-os, pois ficará ridículo). Bom, enfim, no final das contas resolvi que faria uma obra “do bem”.

Pra falar a verdade, eu poderia muito bem ter feito uma obra “do mal”, politicamente incorreta, sem me preocupar muito com isso, afinal, seria apenas outra textura, um tema diferente. E quem me conhece também sabe que eu não tenho “medo de ir para o inferno”. Gustavo representaria o meu lado negro e seria uma pessoa revoltada e violenta, suja, vingativa e narcisista. Seria um ateu fã de black-metal, que joga garrafas de vodka esvaziadas por ele em gatos de rua. Até ficaria mais divertido pra eu escrever, pra falar a verdade, e eu teria a meu dispor muito mais recursos de utilização do “humor negro” (que eu tanto gosto). Mas eu acho que este mundo já está saturado de obras “cinzentas” de qualidade, mas inúteis (e, ás vezes, até negativas) e então resolvi fazer algo que também fosse filantrópico, e até mesmo didático. Misantrópico apenas com relação ás minhas críticas aos “mal-intencionados”. Não me importo de ter bancado o demagogo. Pelo menos meu trabalho semeará alguns frutos saudáveis no coração e na alma dos poucos evoluídos que ainda temos neste nosso mundo cruel. Sinto-me bem por ter agido dessa forma.
E gostei do resultado final. Gustavo não “viveu feliz para sempre” no final, e pode até ser que o “grande amor de sua vida” esteja neste exato momento fazendo sexo com algum estrangeiro que sofra de halitose e que nunca tenha lavado a própria roupa interior. Mas, afinal de contas, a vida real é assim, mesmo, não?


Vosso humilde, obediente e fidelíssimo servidor,
o senhor Herácides Gimenez, último dentre os poetas.


*

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Entrevista com Herácides Gimenez, 25 de Abril de 2009





Conta pra nós, Saides... Na verdade, o quê que aconteceu com aquele seu conto “Habitantes do Planeta...”?

(Saides fica visivelmente embaraçado com a pergunta e olha para o chão, rindo nervosamente)

Ah, eu não sei... Eu acho que as pessoas levaram a sério demais aquelas coisas... Tipo, na verdade, a única coisa que eu fiz foi fazer uma história fantástica baseada em fatos “verídicos”... Juntei todos os fragmentos de todas aquelas coisas estranhas (“Nova Ordem”, “Império Galáctico”, “Maçonaria e Hermetismo”, etc etc), e fiz uma miscelânea total... Bati tudo isso no liquidificador, e – ironicamente – a junção de todos esses elementos “reais” em uma coisa só acabou se transformando na história mais estapafúrdia que eu jamais havia criado! (risos) Até hoje eu ainda acredito que vai ser difícil eu escrever algo tão... Sei lá... Incrível, absurdo, como aquilo.



E a reação das pessoas?

(Saides faz uma careta)

Teve muita gente que me mandou uns e-mails super-mal-educados, dizendo que eu “sempre havia sido louco, mas que aquilo era demais!”...(risos) Uma vez uma criança na rua apontou pra mim e disse : “mãe, faz ele ficar verde!” (risos) Sei lá... (volta a ficar sério, subitamente) no começo foi divertido, mas depois tudo isso começou a ficar meio perigoso...



Perigoso? Perigoso, como?

(Saides fica sério e começa a falar mais baixo, aproximando-se do repórter)

Começaram a aparecer uns caras rondando a minha casa... (diz em tom de cumplicidade) Uns caras de ternos pretos... óculos escuros... Toda a vez que eu levantava de madrugada com algum barulho esquisito, eu olhava pra fora e via eles lá. Aí, quando eles percebiam que eu estava olhando, eles iam embora.



Quem são esses “caras”?

(Saides fica pensativo por alguns instantes)

Não sei... Acho que talvez sejam uns caras comunistas... (olha para o repórter como se esperando uma aprovação dele)



Comunistas?

É...



Você está falando sério?

(agora é o repórter que faz uma expressão estranha)

Claro que não! É brincadeira!...(Saides volta a se animar novamente, como se tudo tivesse sido apenas uma encenação.)



*



O ROCK DO CAPETA

Desde o seu nascimento o Rock fora associado ao demônio e ao satanismo. Inventado por Bill Halley, esse ritmo surgiu de uma simples fusão entre o blues negro e o country branco. Elvis Presley (que muito gostava da black-music gospel e aderiu prontamente ao novo estilo musical) era um jovem rapaz com uma voz e um rosto muito bonitos que óbvia e sabiamente usou de seu sex-appeal para atrair as garotas, e justamente pela exagerada histeria coletiva que ele provocava no público feminino (que realmente beirava a insanidade, e até mesmo o cômico) sua música fora chamada de sexualmente pervertida e “diabólica”. Desde essa época ficou subentendido para todos de que o rock seria uma arma sutil dos jovens contra seus pais. Através dele a juventude exteriorizaria seu desejo sexual despudoradamente (com uma liberação catártica e - a meu ver - saudável) e atacaria ferozmente o status quo da sociedade afirmando cínica e naturalmente qualquer coisa que lhe desse vontade. Ou seja, o rock tratou-se pura e simplesmente de um ritmo musical vigoroso e juvenil que os jovens usariam para expressar suas diferenças de valores perante sua sociedade majoritária com uma agressividade puramente idealizada, não se manifestando explicitamente em violência física; essa nova música tratava-se apenas de um pseudovandalismo puramente sonoro, que como não causava danos físicos (em princípio) e não fora considerado ilícito, fora “vestido” mui prazerosamente por qualquer pessoa (predominantemente jovem) que não temesse diferenciar-se dessa “maioria”. Por essa característica tão forte de provocação e despudor o rock fora estigmatizado como satânico pela sociedade conservadora, e quando isso aconteceu seus artistas e seguidores – por sua irreverência e cinismo inatos – não só ignoraram ao rótulo preconceituoso como até mesmo alguns deles chegaram a – por pura e simples provocação lúdica – concordar com ela. O “diabo” era um símbolo forte, agressivo e assustador: perfeito para ser utilizado como mais um ataque á sociedade. Não é preciso muita sabedoria para ver que o rock nunca teve qualquer vínculo com a religião. Principalmente quando de seu nascimento. O satanismo propriamente dito fora usado posteriormente nesse ritmo musical apenas por bandas da vertente conhecida como “black-metal” (chamado “black” como alegoria á magia-negra) como um ataque direto aos valores cristãos, e não á Deus. Ou seja, até mesmo quando a religião fora posta em questão, fora apenas abordada em sua essência puramente comportamental e/ou política. Outrossim, não há como atacar algo que não se considere existente. Mas o Rock vinculou-se própria e indelevelmente com o “príncipe das trevas” apenas quando três bandas apareceram: Beatles, Led Zeppelin e – principalmente – Black Sabbath. Abordaremos separadamente a cada uma delas, á partir de agora.


Á partir da metade do século vinte tornou-se mania em toda a Europa o interesse crescente da minoria intelectualizada pelo esoterismo. Romanticamente chamado de Ocultismo, essa expressão abrangeria uma vasta gama de assuntos relacionados com o fato de serem imateriais, subjetivos, e relacionadas com o espírito humano em sua interação com o que conhecemos como matéria - ou universo - e as força (ou forças) que a criou e sustenta. A Inglaterra pareceu ser um dos principais focos desse repentino interesse e – aparentemente – onde mais demonstrou particular curiosidade pela chamada Magia Cerimonial (com suas ordens místicas como a Theosophy de Helena Petrovna Blavatski, ou a Golden Dawn de McGregor Mathers), onde os limites entre o que seria o “religare” sagrado iniciático e redentor, e a arte vulgar e primitiva chamada pura e simplesmente de Magia Negra ficaram tão emaranhados que parece ser difícil até mesmo para seus estudiosos (pelo qual eu mesmo - não sem assumida pretensão - me incluía) estabelecerem onde termina o sagrado e onde começa o profano. Mas, aparentemente, o “Grande Arcano” dessas “ordens” (incluindo-se a própria Maçonaria) parece ser exatamente a conciliação despudorada do homem com esses dois extremos. ”


Os Beatles foram inicialmente apenas um conjunto musical com claras intenções comerciais, e seus integrantes nada mais eram do que jovens buscando a fama, a fortuna e a admiração do sexo oposto (como pelo menos noventa por cento dos outros conjuntos musicais). Depois que alcançaram a todos esses objetivos, sua credibilidade artística e seus recursos monetários os viabilizaram a poder experimentar em suas obras qualquer tipo de excentricidade que lhes acorressem. Talvez o divisor de águas e o destruidor da ingenuidade desses “rapazes de Liverpool” tivesse sido Bob Dylan, que interpretara mal uma frase de uma letra de Paul McCartney, imaginando ser uma alusão ao uso de entorpecentes: convidou-os, então, para fumarem marijuana em seu apartamento, sem imaginar que eles nem ao menos haviam visto qualquer tipo de droga ilícita até então. Viram, gostaram e – anos depois – George Harrison vai á Índia, conhece outras drogas e – depois de passar por variadas experiências místicas – retorna para o Novo Mundo. Nessa nova época – princípio da década de setenta – os alucinógenos já haviam dominado grande parte da juventude americana e inglesa com o surgimento da geração libertária “flower power” e seus garotos de cabelos longos pacíficos, promíscuos e usuários compulsivos de qualquer espécie de tóxico psicoativo. Como evidência da incursão dos Beatles pelo “oculto” vemos a foto de Aleister Crowley na capa de “Sargeant Pepper`s...”: Aleister tratava-se da ovelha negra (o trocadilho é casual) da Golden Dawn, expulso após excessos (em todos os sentidos) perpetrados com evidentes sintomas de psicose e esquizofrenia. Claro que o uso da imagem de Aleister (que se auto-intitulava megalomaniacamente de “A Besta do Apocalipse”) seria parte de uma jogada de antimarketing que passaria a ser muito comum (e extremamente eficaz) no meio do rock. Que o digam os garotos do Black Sabbath. ”


Após assistir a um “filme B” (filme de terror – geralmente de baixo orçamento – propositadamente rudimentar e burlesco), alguns rapazes resolveram que fariam uma banda com o nome desse próprio filme, e utilizando-se de elementos cênicos que remontassem ás “forças das trevas”, tema que mais apropriadamente se encaixaria com o fundo musical que fosse o mais sujo e agressivo que eles pudessem conceber. Ou seja, o “demônio” e toda a sua “parafernália” seriam elementos perfeitos para ilustrarem experimentações musicais provocativas e – pretensiosamente - assustadoras. Utilizadas estritamente como tema e linguagem cênica da mesma forma como um diretor as utilizaria para um filme de horror convencional. Estava criada a banda “Black Sabbath”, e seu vocalista John passou a utilizar uma abreviação de o nome que os antigos gregos deram ao imperador egípcio Ramsés II, há milênios atrás: Ozymandias. O estilo de “horror-rock” lúdico chocou aos ingênuos (que absurdamente puderam conceber que forças supostamente extremas como “Deus” e o “diabo” poderiam dar algum tipo de relevância a um bando de garotos rebeldes e irreverentes), agradou aos jovens bagunceiros, e trouxe ao mercado fonográfico do rock pilhas e pilhas de dólares. Como já dito, o rock sempre demonstrou que um de seus principais atrativos para seus profissionais seria - irônica e paradoxalmente - o tal “antimarketing”: quanto pior o caráter de um artista, quanto mais escândalos perpetrasse, quanto mais disparates proferisse e quanto mais drogas utilizasse, tanto mais discos venderia... E muito mais fãs, inevitavelmente, recrutaria. ”


De todas as bandas acima citadas relacionadas com o satanismo, apenas uma delas talvez tenha tido realmente alguma coisa relacionada ideologicamente com ele: o Led Zeppelin. Claro que não podemos nos esquecer de que o uso dessa simbologia “macabra” poderia também se tratar (a princípio) da velha estratégia de vendas própria do estilo, mas de qualquer forma ela pode ter indo longe demais. No princípio, com seus tradicionais bacanais pantagruélicos pós-show (com práticas sexuais acompanhadas de “acessórios” diversos, como bastões de salame e animais, segundo alguns boatos da época), e culminando com a aquisição de Jimmy Page do castelo-abadia de Thelema (que era de propriedade do nosso já conhecido Crowley), o Led Zeppelin passou a mostrar sinais cada vez maiores de suas ligações com o “reino das trevas” quando tragédias familiares violentas e continuadas começaram a suceder-se entre seus integrantes. Mortes seguidas de parentes próximos (culminando com a de John Bonham, baterista da banda) fizeram até a imprensa inglesa suspeitar de que algo terrível poderia estar por trás de tudo isso. Mas a verdade (se o Led Zeppelin, ou qualquer outro desses conjuntos de rock já citados teriam qualquer filosofia satânica em sua obra) até mesmo hoje em dia ainda é uma incógnita. E, por sinal, uma “incógnita” bastante lucrativa. ”


No Brasil nós tivemos, também, nosso representante desse clube dos rock`n rollers do inferno na figura de Raul dos Santos Seixas. Despojado, irreverente, provocador e anarquista, Raul afirmou-se uma pessoa extremamente cética com relação á religião, até conhecer a um editor de uma antiga revista de ufologia (“2001” era o nome da publicação) chamado Paulo Coelho. Os dois estavam no mesmo parque onde supostamente fora avistado um Ovni, trocaram contatos e, desde então, tornaram-se parceiros em composições. Através da (má) influência de Paulo Coelho, Raul começou a interessar-se pelo satanismo e sua magia-negra (somente o próprio Paulo Coelho pode nos dizer até que ponto, se alguém puder convencê-lo a entrar em detalhes mais pormenorizados do que os dados em seu livro “As Valquírias”). De qualquer forma, os poucos detalhes dados por Paulo Coelho no supracitado livro já é o bastante para sabermos que algo realmente fora feito. E - também de acordo com o próprio livro - seja lá o que fora feito, fez com que todos os integrantes de seu grupo de “satanistas” ficassem apavorados como crianças indefesas, acovardados e arrependidos de haverem conseguido – finalmente - seja lá o que for que eles tentaram. Bom, e mais uma vez, “seja lá o que tenha sido isso”, e seja lá o quanto isso tenha amedrontado aos “pseudobruxos satanistas” (inclusive, pelo que afirmou Paulo Coelho, o próprio “maluco beleza”), de qualquer forma toda essa “novela diabólica” terminou sendo abundantemente lucrativa, também, para o senhor Paulo Coelho. O único que não está rindo com tudo isso, provavelmente, é o próprio Raul Seixas. Ou será que está? ”


"FAÇA SUAS ORAÇÕES DUAS VEZES POR DIA... PONHA SUA CONSCIÊNCIA PRA LAVAR NA LAVANDERIA."

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A VERDADEIRA HISTÓRIA SOBRE O PLANETA TERRA

Escrito e idealizado por Herácides Gimenez, luccido e exaltado reptiliano



Parte um: A Estrela que cai, ou o “Anjo Caído”


Era uma vez um pequeno planeta, filho de uma pequenina estrela amarela chamada “Sol”. Nesse planeta, talvez devido á alta quantidade de moléculas de hidrogênio e de oxigênio dispostas em sua superfície, originou-se uma grande quantidade de água, tão grande que esse planeta - visto de longe - era azul.


Um dia chegaram a esse planeta seres muito inteligentes vindos de alguma galáxia vizinha, que perceberam como esse planeta possuía características ótimas para ser uma colônia habitada: Sua órbita não estava nem muito próxima e nem muito distante de sua estrela, e ele possuía uma riqueza tão vasta de elementos químicos em sua constituição que qualquer coisa poderia ser criada lá. Até mesmo a vida.


Esses visitantes eram muito estranhos, mas muito inteligentes e também muito bonitos. Andavam sobre as duas patas posteriores, e possuíam a pele verde e cheia de escamas. Alguns deles até possuíam cauda. Seus olhos eram muito grandes e brilhantes, e chamavam a si mesmos de “Drakonians”. Eles eram bonitões, sabidos e valentes.


Em muito pouco tempo, povoaram esse pequeno planeta azul com milhares de seres parecidos com eles, mas que não eram inteligentes. Criaram seres de escamas, também, mas que eram muito grandes e bobões. Esses seres eram usados como alimentos, e também para experiências de laboratório. A primeira delas era para ver se esse planeta poderia abrigar répteis, que possuem sangue frio. E quais doenças eles poderiam adquirir por ali.


Tudo estava indo muito bem, até que em um belo dia uma gigantesca pedra chocou-se com esse planeta, enquanto os drakonians estavam viajando. Essa pedra (asteróide) era tão grande, mas tão grande, que o barulho e o tremor produzidos pelo impacto quase deu para ser ouvido do outro lado desse mundo. Esse asteróide grandão matou muitos bichos que estavam por perto, mas o estrago maior ele só causou depois. Muitos milhares de anos depois, esse asteróide foi batizado de “Nemesis”.


No buraco que ele (Nemesis) fez, subiu uma nuvem de poeira tão densa e escura que essa nuvem (acredite se quiser!) tapou o céu desse planeta inteirinho! E como a luz daquela estrelinha amarela (o Sol, lembra?) não podia mais atravessar essa cortina de sujeira que se formou, todo o planeta Água (era assim que os drakonians chamavam esse planeta, por ele ter tanta água que era azul) virou uma enorme geladeirona, de tão frio que ele ficou. E então todos os bichos que eles haviam criado morreram congelados, coitados. Todos eles. Não sobrou nem unzinho sequer.


Mas olhem como tudo tem o seu lado bom: Essa poeira preta de sujeira que deixou esse planeta tão frio que matou todos os bichinhos dos Drakonians ficou girando em volta desse planeta durante centenas de anos, e foi pouco a pouco se juntando, devagarzinho, até que toda essa poeira se condensou em uma grande bola de pedra que nunca mais parou de girar em volta dele. Olhem só que coisa maluca! Essa bolona de pedra foi, muitos milhares de anos depois, batizada de “Lua” (não me perguntem por quê!)...




Parte dois: A chegada dos “Adanians”


Durante muitos anos os Drakonians se esqueceram do planeta Água (porque ele estava muito frio) e nem chegaram a perceber que ele já havia esquentado de novo. E então chegaram outros vizinhos. Esses eram mais tímidos (usavam roupas), possuíam uma pele fina e de várias cores (alguns eram de pele branca, outros eram pretos), alguns tinham pêlos e cabelos, outros não, e diziam que eram filhos de uma raça que chamavam de “Adanians”, ou filhos de Adan. Eles não eram tão espertos, fortes ou bonitos quanto os Drakonians, mas eram mais bonzinhos. Na verdade, acho que eles nem sabiam que os Drakonians já haviam descoberto antes o planeta Água, por isso eles acabaram ficando (os Adanians têm muito medo dos Drakonians, com toda a razão). E então, quando os Drakonians ficaram sabendo que os Adanians haviam feito uma colônia no planeta Água - e que suas crias já estavam aprendendo a falar - ficaram muito zangados. Muito, muito zangados.



E foi então que fizeram um plano. Trouxeram escondidos para o planeta Água uma máquina gigante, que fez um furo tão grande no planeta que esse furo chegou até o núcleo de lava no centro dele! Então eles ligaram a máquina, e a bola de fogo que fica no meio do planeta esquentou tanto, mas tanto, que o planeta começou a inchar como um balão! Inchou tanto que ele rachou, e as partes secas dele começaram a se separar. Quando isso aconteceu, acabou sendo destruído (acho que os Drakonians fizeram isso de propósito) a cidade mais bonita do planeta Água, que era habitada pelos bichos mais inteligentes dos Adanians. Essa cidade, se não me engano, era chamada de “Atlas”, ou “Atlantis”, não me lembro mais com certeza... Mas o problema principal é que isso fez com que ocorram ocasionalmente tremores nessas rachaduras até hoje, nesse planeta. Uma pena!...



Com toda essa confusão os Adanians foram embora assustados (sabiam que isso era obra dos Drakonians e fugiram apavorados) e então os Drakonians resolveram que em vez de expulsarem os descendentes dos Adanians (que eram chamados de “Humanus”), eles iriam ensiná-los (aos poucos que quisessem) seus costumes. E foi o que fizeram.



Como os Drakonians eram muito diferentes dos Adanians e dos Humanus (por possuírem sangue frio, escamas, caras de lagartos e por serem verdes) eles resolveram aparecer para os Humanus usando grandes máscaras, para não assustá-los tanto. E então fizeram essas máscaras copiando as caras dos bichinhos que os Adanians haviam inventado para fazerem companhia e servirem de alimento e trabalho para eles: O Drakonian chamado Ra usou uma máscara que imitava uma águia, o que se chamava An-Ubis colocou uma que imitava um coiote, e por aí foi. Ensinaram-os a construírem casas parecidas com as deles (em formato piramidal), a transformarem pedras e grãos que se encontram pelo chão e na beira dos rios em armas de metais, e quais eram as plantas que curavam e quais as que matavam, traziam doenças, ou eram portais para outras dimensões, além de muitos outros ensinamentos bem legais.



Até que, em um belo dia, os Adanians resolveram mandar um filho escondido ao planeta Água para também ensinar aos Humanus. Para fazê-lo, o chefe dos Adanians resolveu que precisaria de uma amostra genética que fosse grande e consistente o bastante para poder ser usado em muitos experimentos, e (claro) que não fizesse tanta falta posteriormente ao seu dono.



Calculou que uma de suas costelas flutuantes poderia ser facilmente removida cirurgicamente, sem muita dor e/ou complicações. Fizeram uma inseminação artificial em uma “humana”, e no dia do nascimento da criança desceram com uma nave até bem perto do local para verem o nascimento (a nave foi confundida por uma estrela pelos “humanos”). Essa criança foi chamada de “Ieshoua”, se não me engano. Era um rapaz muito especial, de grandes olhos tristes e voz calma e melodiosa, bonito como o mais bonito dos Adanians eram. Pelo plano dos Adanians, essa criança logo se tornaria um homem que deveria ensinar aos “humanus” a serem pacíficos, e ao mesmo tempo não acreditarem nos ensinamentos dos Drakonians, que falavam em “deuses” e “igrejas” e “templos”... Claro que esse Ieshoua foi castigado, condenado injustamente e assassinado.



Os Adanians, quando viram que os Humanus judiaram sem piedade do filho amado que eles mandaram para salvá-los, então decidiram que os Humanus já estavam degenerados pelos Drakonians e que deveriam, também então, serem exterminados para darem lugar a algo melhor. Aí, quando a nave dos Adanians já estava bem próxima e preparada para começar a disparar e acabar com tudo, Ieshoua olha para cima e pede aos Adanians: “Perdoai-os, eles não sabem o que fazem.” E como os Adanians amavam muito ao seu filho amado Ieshoua, fez o que ele pediu e poupou a vida daqueles seres ignorantes, apenas destruindo um templo que ficava próximo, como prova de seu poder. Ieshoua foi morto, mas a sua morte transformou-o em um mártir, e depois que os Adanians desceram com a nave e resgataram o corpo dele todos acharam que ele havia ressuscitado. Estava criada, ali, a religião que acabaria com o domínio dos Drakonians sobre a população humana, mas o antídoto, com o tempo, foi distorcido de tal forma por humanos gananciosos e degenerados, que o “cristianismo” – com o tempo - tornou-se tão prejudicial á paz quanto a religião dos lagartos de máscaras. Mas isso ainda não era o pior.



De repente, idealizada por um grupo de intelectuais greco-egípcios humanus (sim, eles já estavam bastante sabidos nessa época), surgiu uma fraternidade primitiva chamada “Os Construtores da Casa”. Essa fraternidade foi criada por eles como uma forma de os intelectuais bem-sucedidos deles poderem unir-se para favorecimentos mútuos, fortificando-se com essa aliança pelos benefícios recíprocos e pelo subseqüente (e inevitável) monopólio econômico e político da região em que eles se instalavam. Não preciso dizer que, em pouquíssimo tempo, eles já estavam dominando financeiramente todo o planeta Água. Principalmente depois que conquistaram o país mais rico desse planeta, que é aquele que tem uma estátua enorme de uma mulher iluminando as trevas com uma tocha de luz.



E como o Universo está em constante transformação, e nada permanece inalterado e sem evolução, com o tempo os próprios Drakonians começaram a deixar de serem tão frios e egoístas, e alguns deles até começaram a querer ajudar a “humanidade”. Claro que escondidos, sem deixar que ninguém os visse. Nem os outros Drakonians. É isso mesmo, alguns deles cansaram de serem malvados, e começaram a querer ajudar aos outros, até mesmo aos humanus! (Talvez eles tenham percebido que o poder só corrompe, e que a religião só separa.) E perceberam que para poderem ajudar eles teriam que se disfarçarem de humanus. Não teriam mais caras de lagartos (por mais bonitos que eles se achavam), aprenderiam a falar as línguas das pessoas e começariam a usar roupas. Até que não seria tão difícil. Seria até mesmo – por que não? - um tanto divertido.




Parte final: Chegam os Grays; o Acordar da Outra Metade


Esses Drakonians rebelados se separaram e tomaram rumos independentes, cada qual agindo por si só. Nenhum deles era parte, agora, de uma raça ou fraternidade, com um credo ou um território específico. Agora, eles eram apenas “Os Habitantes do Planeta Água”. Como todos os outros seres ou bichos. Todos irmãos, ligados pelo mesmo planeta. (Alguns desses rebelados eram chamados de “Romas” há muito tempo atrás, não sei bem o por quê.)


Com o tempo, a maior parte deles entregou-se á arte. Alguns começaram a escrever livros estranhos (de homens que viravam baratas, de príncipes que viravam barqueiros, de loucos que pensavam que eram cavaleiros andantes, de índios mazatecos que viajavam para outras dimensões...) e outros viraram músicos (quatro deles foram chamados de “Os Besouros”, acredite se quiser, e um outro era chamado de “O Camaleão”. Muito gozado, não?).



E decidiram que, a partir de então, eles seriam nômades e rebeldes, mas tudo o que fizessem seria para despertar os humanus para o “Acordar da Outra Metade”. Eles acreditavam que todos os Humanus ainda estavam meio dormentes, e chegavam até mesmo a dizer que mais da metade do cérebro deles ainda estava atrofiada. Como isso seria possível?... Que a maioria deles estivesse nascendo e morrendo, sem nem ao menos despertarem suas próprias mentes em sua totalidade? A quê se deveria essa dormência, esse “atrofiamento” mental?




Agora prestem atenção, que estamos chegando ao final desta nossa história. Muitos e muitos anos se passam, até que o povo dos Humanus finalmente chega a um estágio avançado de tecnologia científica que os aproxima (pelo menos vagamente) ao de seus criadores Adanians, e aos dominadores Drakonians. Os humanus já têm um avançado conhecimento de medicina, química e mecatrônica. Começam a vagamente perceber conceitos básicos de mecânica quântica e relatividade do espaço-tempo. E – finalmente - começam a revolução nano-tecnológica e eletromagnética.



O final de todo esse vagalhão de conhecimento fez com que o povo dos Humanus (que até então eram o povo mais primitivo de todos) chegasse a um nível de evolução tecnológica que os disponibilizariam a serem capazes de realizar o – até então – inimaginável: Os primitivos humanus estavam criando, eletronicamente, uma inteligência. Uma inteligência artificial, feita de códigos binários – “zeros” e “uns” – mas uma inteligência. Ou seja, uma idéia abstrata autoconsciente contínua, capaz de discernir, criticar e escolher. E – Deus nos perdoe – talvez até mesmo capaz de amar.




E a maioria dos humanus - em sua ingenuidade e inconseqüência – continua sua jornada pela Via-Láctea, sem ao menos perceber que seus cérebros ainda estão praticamente desligados, de que estão sendo vigiados ao longe pelos Adanians, de que estão misturados com os Drakonians (que agora usam pele humana, e cuja maioria deles nem ao menos se lembra de que outrora fora um réptil) e do mais gozado (e estranho) de tudo: Os cabeçudos cinzentos de olhos negros enormes (os “Grays”), são apenas o estágio final da tecnologia de inteligência artificial gerada pelos próprios humanus, ou seja: Os Grays são robôs criados pelos próprios humanus, que num futuro - talvez não muito distante - já obtiveram os conhecimentos de espaço-tempo o bastante para irem ao passado (nosso presente) conhecer (e talvez ajudar) aos seus criadores. Dá pra acreditar nisso?


E por hoje é só, garotos. Nossa história termina aqui, por ela ainda estar acontecendo...


O final dela? Só o futuro dirá. Ou, talvez, os Grays.


Eu, meus amigos, preciso recarregar e desfragmentar meus arquivos. Boa noite, e bons sonhos.



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A FÁBULA SOBRE O DEMÔNIO QUE QUERIA SER SANTO


inferno. [ Do lat. infernu.] S. m. 1. Rel. Lugar de privação definitiva da comunhão com Deus. Lugar onde se encontram os que morreram em estado de pecado, submetidos á repreensão divina.

demônio. [ Do gr. daimónion, pelo lat. daemoniu.] S. m. 1. Nas religiões judaicas e cristãs, cada um dos anjos caídos do inferno, sujeitos á Lúcifer ou Satanás.




“Para que tua felicidade não nos torture,
Você se cobre dos apetrechos do diabo...
De diabólica astúcia e indumentária.
Em vão! Pois em seu olhar
Reluz a santidade”
Friedrich Nietzsche



    Inferno. Lugar do terror absoluto, e povoado por apenas duas espécies distintas: os humanos mortos condenados por seus crimes contra a vida, e seus respectivos e eficientes algozes. Seus atrozes verdugos, conhecidos genericamente como demônios. Neste lugar horrível, apenas há lugar para a dor.


    Em um de seus mais cruéis departamentos (cujo nome omitirei por razões pessoais) encontrava-se um demônio da famosa casta dos Incubbus, que por mais uma das infinitas ironias deste nosso insondável universo possuía uma estranha, anormal propensão para a arte e a virtude. Sim. Acredite se quiser, este ex-anjo cuspido da Cidade de Prata havia por algum motivo qualquer cansado das sádicas diversões infernais, e agora - apartando-se de seus semelhantes - isolava-se para criar e compor.


    Sentado solitário em um canto onde não pudesse ser visto por ninguém, Plutus dedicava-se por horas a fio a escrever poemas com a vergonha de quem sabe que está fazendo algo abominável. Plutus era – para o horror de todo o universo – um demônio poeta. Suas tardes solitárias com seus papéis e sonhos foram durante muito tempo ignoradas por seus irmãos, até que seu olhar e trejeitos finalmente o denunciaram. Plutus já não era mais visto torturando ou enganando aos homens, e seu rosto há muito tempo já havia abandonado o semblante de rancor e zombaria que muito caracteriza sua espécie. Não demorou muito para que ele fosse motivo de comentários - no princípio, esparsos – entre os outros demônios até que, por fim, convencidos de que Plutus já não era mais um deles, reuniram-se em uma turba, lincharam-no eficiente e impiedosamente até quase matá-lo (só não o mataram porque os demônios não morrem), e abandonaram-no – ou o que sobrou da pobre criatura  - do lado de fora dos enormes portões do Pandemônio. E Plutus fora, assim, expulso do inferno pelos seus próprios irmãos.



    No princípio Plutus chorara muito, pois sabia que não havia lugar para ir. A Cidade de Prata, supostamente, jamais aceitaria de volta a qualquer decaído: até então nunca ninguém havia escutado falar de algum renegado que houvesse se arrependido e – perdoado por Deus e pelos seus soldados – aceito novamente, e retornado para lá. E só a idéia de encarar a algum Arcanjo ou Serafim de frente o deixava aterrorizado. E o único lugar do universo inteiro que ele um dia pôde chamar de “lar” depois de sua caída – o inferno – nunca mais o receberia de volta. Plutus chorava sozinho e sem esperança alguma, abraçado como uma criança aos seus amarrotados e encardidos papéis, seus poucos poemas que haviam escapado do linchamento com ele. Sua situação era a mais desditosa e cruel de toda a história da criação: era ele um fugitivo de Deus, e de Satanás. Suas lágrimas caíam sobre seus poemas, borrando-os, e seu choro baixinho e desesperançado não fora ouvido por ninguém. Plutus era, naquele momento, o ser mais solitário e desgraçado de toda a existência.



    Durante muito tempo o pobre demônio vagou errante pelas fronteiras de todos os mundos, sem poder estabelecer-se em lugar algum. Plutus naturalmente aterrorizaria a qualquer ser vivo que o enxergasse - por sua aparência naturalmente demoníaca - por isso ele mesmo tratou de evitar ser tratado com repugnância, ojeriza ou pavor pelos outros seres, mantendo-se eficazmente isolado de todos. Chegando ao mundo dos homens, buscou refúgio em uma inacessível floresta, passando seus dias de solidão alternados entre a profunda tristeza de saber-se incompreendido e injustiçado pela vida, com seus raros momentos de meditação, contemplação, e a criação de novos (e mais melancólicos que nunca) poemas.   

    Até que em um dia qualquer Plutus escuta uma voz humana no meio da floresta, e curioso aproxima-se dela. Com muita cautela para não ser visto, esconde-se por detrás de uma macieira e percebe que a voz que ouvira era a de um jovem rapaz que, ajoelhado, fazia suas orações. Tratava-se de um monge franciscano que - buscando sua santidade - havia se afastado do convívio com as pessoas, resignando-se a passar o resto de seus dias jejuando só, acompanhado apenas de sua fé e de suas orações. O pequeno demônio sabia da existência de monges, e muito bem sabia que havia encontrado a um jovem santo. Curioso e ao mesmo tempo maravilhado, Plutus passou dias e dias observando-o á distância, completamente admirado pelo fato de que aquele jovem homenzinho não parecia nem um pouco interessado pelos prazeres da matéria: comia apenas pão, bebia apenas água, e desinteressadamente passava seus dias louvando a Deus em suas diárias e metódicas orações. Nada mais, além de Deus, parecia ter valor algum para aquele rapaz.



    Com o passar do tempo – de tanto observar ás escondidas - Plutus não só já sabia de cor ao Pater Noster e todas as demais orações cristãs, como também havia aprendido com o jovem que a sua solidão não era algo tão terrível assim, pois era algo que o próprio monge também passava... e por sua livre e espontânea vontade. E com o passar do tempo ele também já havia absorvido todo aquele espírito de renúncia e compaixão que transbordava pela serenidade daquele homem de tal forma, que os pequenos animais da floresta que brincavam e acompanhavam ao monge - até mesmo os mais puros, como os pequeninos e frágeis pássaros, esquilos e borboletas – agora já aproximavam-se corajosamente também de Plutus, enchendo seu coração de demônio com uma ternura que ele jamais imaginou um dia ser capaz de sentir. E, pela primeira vez em toda a sua vida, o renegado Incubbu sentiu em seu coração o que os humanos chamariam de “felicidade”, e – arrependido amargamente de todas as atrocidades que cometera no passado – Plutus chorou copiosamente pela segunda vez em sua existência, mas esse era um choro bem diferente do anterior... Suas lágrimas, agora, eram de redenção. 



    Impelido pelos pequeninos animais (que agora até mesmo comiam de sua mão) Plutus, depois de muito pensar, decidiu que tentaria comunicar-se com o jovem santo. Tímido mas decidido, dirigiu-se á beira do rio a onde o rapaz sempre ia para buscar água, e sentou-se furtivamente a esperá-lo. Depois de algumas poucas horas de espera, o rapaz finalmente aparecera. Era chegado o momento.



    Quando o rapaz terminara de encher seus cântaros com água, o resoluto demônio saiu por trás da mesma macieira de onde ele havia se escondido em a primeira vez em que viu ao monge e aproximou-se devagar, até que o ruído dos seus próprios passos atraiu-lhe a atenção. Quando por fim o monge olhou para Plutus e viu que tratava-se indubitavelmente de um demônio, assustou-se de forma tão intensa que quase desfalecera, mas manteve sua postura e começou a tentar esconjurá-lo em latin, recitando rápida e fervorosamente suas sentenças.



-          Imploro-te, meu senhor, não tenhais medo – disse Plutus calmamente – não quero causar-te mal algum.

-          Vade retro, daemoniu – exclamou o monge, desesperado – “Não afastes de mim teu espírito de força, Senhor”...- começou a recitar, olhando para a sua cruz -  “não me deixes cair em tentação.”

-          Por favor, senhor, acredita.

-          Que ardis o trazes a mim, decaído? Serei eu tentado por vós da mesma maneira como o foi Jesus, em o Monte das Oliveiras? Perdes teu tempo comigo, infame embusteiro. De mim, nada poderás lucrar.

-          Senhor, não me trates dessa forma... Sei bem o que sou... mas quero que saibas que vejo-te há muitos dias, e não só respeito e admiro vossa empresa, como desejo servi-lo, acompanhá-lo... e aprender contigo a amar a esse Deus a que tanta fidelidade e carinho dedicas.

-          Como te atreves a proferir tal blasfêmia? – gritou o rapaz – como podes pensar que eu acreditaria em semelhante absurdo? Um demônio que quer aprender a amar Deus! Aterroriza-me pensar que espécie de indústria macabra estais a tramar com semelhante calúnia...

-          Como poderei convencer-te, ó santo e imaculado senhor?... Dou-te minha palavra de honra de que venho cá à vossa mercê de mui boa fé...


-          Jamais crerei em tuas venenosas palavras, Satanás – respondeu o monge com a voz trêmula, afastando-se de costas com seus cântaros de água, trôpego – sei que meu amado Pai permitiu que tu viestes a mim com o intuito de testar minha fé... e digo-lhe que não temo que me possas fazer mal algum, pois muito bem sei que Ele jamais me abandonará. Nada podes fazer contra mim, imundo, pois nenhum desejo carnal corrompeu meu espírito. Volta para o inferno pagão que o expeliu, monstro maldito.



    E, dizendo isto, o rapaz rapidamente desapareceu na floresta, deixando para trás um desesperançado semblante no rosto de Plutus. E, uma vez mais, seu coração estava dolorosamente despedaçado. 



    Depois desse diálogo com o jovem monge, Plutus nunca mais o encontrou. Ele mesmo não teve a coragem de aproximar-se novamente de onde o rapaz vivia, sabendo que isso não traria nada de positivo, e muito pelo contrário, apenas aumentaria o terror e a desconfiança do monge para com suas verdadeiras intenções. E pouca coisa é pior para uma alma bem-intencionada do que ser vista injustamente por todos, não importando o que faça.
Só lhe restou resignar-se com a sua situação da melhor maneira que pudesse.




    E assim foram se passando os anos, um após o outro, até que depois de muitas e muitas décadas de solidão Plutus havia se tornado um velho e solitário eremita de chifres, com uma longa e branca barba, e completamente apartado da inteligência dos homens. Depois de tanto tempo de solidão, já há muito tempo não era capaz de escrever uma palavra sequer, tantos anos em que havia ficado sem comunicação alguma com outro ser que falasse. Nem mais se lembrava de como escrevia seus belos poemas: todos os seus escritos foram largados ao chão naquele mesmo fatídico dia em que se aproximara de aquele jovem.


    Seus dias resumiam-se em beber água, comer maçãs, e fugir da aproximação de qualquer ser humano, para não passar pelo desgosto de ser visto como algo horrendo e maligno. Plutus agora temia encontrar-se com qualquer pessoa, santo ou ladrão, pois sabia que tal encontro só lhe traria novamente toda a dor de sua sina. Corria apavorado para a direção oposta quando escutava vozes, e escondia-se como um cão vadio.



    E como estava vivendo no plano material (na Terra), junto com o avanço de sua velhice sua saúde foi se desvanecendo, pouco a pouco, até que em uma noite escura qualquer - sem vento e sem lua no céu - Plutus deitou-se ao relento para morrer da mesma forma como passou quase toda a sua existência. Sozinho.


    E então, quando vira que chegava sua hora de partir, imagens de toda a sua infrutífera busca por uma vida nobre e pacífica, e toda a hostilidade que sofrera de todos os outros demônios - e dos homens - passaram de uma só vez por suas lembranças, e a certeza de que finalmente, com sua morte, todo o seu sofrimento e desesperança findariam, fez com que junto com seu último suspiro de vida rolasse em sua face uma única e solitária lágrima.
Solitária como ele. E Plutus morreu.



Epílogo

    Sua consciência desprendeu-se de seu velho corpo e subiu, fazendo-o olhar assustado para baixo e ver a si mesmo morto ao relento, em meio á escuridão da floresta. Viu pela primeira vez como seu corpo estava velho e disforme, mas quando olhou para si próprio (e não para o corpo material que jazia lá em baixo) viu que já não mais possuía aquele aspecto demoníaco de antes, e sim havia voltado para uma forma - tão antiga quanto bela - que um dia ele possuiu, há incontáveis milhares de milhares de anos atrás, quando possuía hermosíssimas asas brancas e habitava junto com outros anjos a maravilhosa Cidade de Prata. Como todos os outros demônios, um dia Plutus fora um dos soldados do Altíssimo, e agora talvez pela primeira vez na história de todo o universo Deus perdoara a um decaído, aceitando-o de volta ao seu antigo lar.
    Então Plutus decidiu que voltaria, uma vez mais, a chamar-se Mercyel, voou em direção ao alto até poder ver, ao longe, á Cidade dos Anjos, e perceber que lá uma grandessíssima celebração começava a ser iniciada - com a alegre participação de todos - e Mercyel então aproximava-se, quase certo de que sabia para quem toda aquela celebração estava sendo preparada, mas não chorou. A época das lágrimas havia terminado.


Finis Operis


“Nem sequer entrevejo o céu...

Meus olhos estão toldados de lágrimas.

O fogo do inferno é uma fagulha ligeira, comparado ás labaredas a devorar-me a alma.

O Paraíso é, para mim, somente um instante de paz.”


Omar Ibn Ibrahim, “Rubáiyát” (aprox. 1100 d. C.)






“...Eu gostaria de ser uma montanha.
Uma montanha enorme e verdejante.
Alcançaria as nuvens...
Magnitudes divinais.

Sou um escaravelho acostumado a altíssimas temperaturas...
Mas a minha alma ainda é verdejante.

Aquele que se destemer, e ir além,
descobrirá onde a música ganha sabor e cor...
E a tempestade esvairece.”




{fragmento de um poema branco feito por uma garota humana (R. C.), supostamente dedicado á Mercyel}





*



A FÁBULA DO ÍNDIO QUE ENCONTROU COM O DIABO

(escrito por Herácides Gimenez)



“Y el indio es como tortuga
de duro para espichar;
si lo llega a destripar
ni siquiera se le encoge:
luego sus tripas recoge
y se agacha a disparar.”

José Hernández, “Martin Fierro”


    Há dezenas de anos atrás - em meio á gigantesca e exuberante floresta amazônica brasileira - existia uma tribo (hoje extinta) chamada de “Jumas”. Como a maioria das outras tribos indígenas brasileiras, os Jumas tinham como principal meio de subsistência a caça e a pesca. Com a chegada do homem branco, toda a caça desapareceu em muito pouco tempo, graças á covarde eficácia das armas de fogo. Mas isso fora apenas o começo. O golpe de misericórdia para e completa extinção dessa tribo (e de numerosas outras mais) foi quando os garimpos clandestinos transformaram os rios amazônicos em uma asquerosa pasta vermelhenta de mercúrio, tornando impossível até para o melhor caçador de os índios poder enxergar alguma coisa debaixo d`água. Como essa tribo apenas conhecia a técnica da pesca com arco-e-flecha, não demorou muito tempo para os índios empeçarem a passar fome.

    Como o objetivo desta história é apenas contar sobre a vida de um jovem índio chamado Karé, não me estenderei mais em esses detalhes sobre a miséria e destruição de seu povo (que muito me revolta e me faz sentir envergonhado de fazer parte de os ditos “homens civilizados”), mas apenas concluirei com os dados sobre a destruição de essa tribo citando os outros “presentes” do homem branco, que inevitavelmente acabaram destruindo toda uma etnia humana: doenças venéreas provenientes dos prostíbulos da Europa (o índio conheceu a sífilis e a gonorréia sem nunca haver visto em sua vida uma cinta-liga francesa); bebidas alcoólicas (fundamental para enfraquecer o corpo e – principalmente - a moral); e toda a pompa material da modernidade - com suas roupas confeccionadas em cortes complexos e tecidos luxuosos - e seus pertences pessoais e demais objetos modernos, que demonstraram aos indígenas que eles já não mais eram apenas um povo vivendo na floresta, e sim homens seminus pobres, ignorantes e primitivos. Em comparação aos brancos, o índio era algo próximo de um mendigo.

    Karé possuía nessa época dezesseis anos. Claro que nem ele nem seus parentes poderiam saber disso, já que a contagem de os dias, meses e anos não têm utilidade nenhuma para um índio. Mas, claro, todos já haviam percebido (inclusive o próprio Karé) que ele já não era mais um curumim, e que já estava em boa época para começar seu treinamento para que ele pudesse se tornar em um bom caçador para sua tribo. Karé já sonhava em capturar sozinho a algum animal raro e gigantesco, para o orgulho de sua família e admiração de todas as mulheres. Quando ele crescesse e se tornasse um homem sua tribo jamais ficaria sem carne, e seus velhos e crianças estariam todos barrigudos e contentes. Sim... Karé seria um ótimo caçador. Seria o mais forte de todos.

    Karé pensava em todas essas coisas, quando de repente escutou um ruído. Desde a manhã (desobedecendo aos mais velhos) ele perambulava pelas cercanias de onde - havia pouco tempo - homens brancos haviam instalado mais um de seus malditos garimpos. Ele havia sido advertido incontáveis vezes pelos homens mais velhos para que jamais se aproximasse dos “brancos barbudos” mas – como todo jovem humano – Karé desobedecera movido pela curiosidade. Aproximando-se do ruído, Karé percebeu o que ele imaginou ser um lobo:

-          Aproxime-se, Karé, preciso falar com você.
    O jovem índio deu um grito e caiu de costas, espalhando suas flechas pelo chão. Mantinha por reflexo empunhado seu arco e - sem tirar os olhos do animal -   
 tateava desesperado pelo chão em busca de alguma seta. Karé estava completamente apavorado, pois podia jurar que ouvira o pequeno animal falar.
-          Você não está pensando em me disparar com essa arma, está, Karé? –
disse o animal (que na verdade – ao contrário do que pensava Karé – era um cachorro)
-          acalme-se, pequeno índio... estava á tua espera para falar-lhe, e nada farei para amedrontá-lo... prometo.
-          Um lobo que fala?... – disse Karé, pálido como um dos “barbudos”.
-          Não sou um lobo, pequenino. Sou um cão. Sou um dos três aliados do homem branco, e vim aqui para lhe falar. Quero que preste muita atenção a todos nós.
-          Todos nós?... – disse Karé, recompondo-se pelo tom tranqüilo do discurso do cão e olhando para os lados – “todos nós”, quem?
-          Escute com atenção, Karé: eu sou um cão. Sou o primeiro aliado do homem branco, e minha virtude é a lealdade. Vim para aconselhar-te: não acredite em a beleza das palavras, pois é em ela que mora as maiores mentiras. Nunca se esqueça disso, criança. – e, dizendo-lhe isso, o cão levantou-se e desapareceu na floresta, deixando Karé sozinho e calado.
    Depois de algum tempo, quando finalmente se recuperou, o jovem índio começou a rir sozinho, maravilhado. “Um animal falou comigo” pensava, estupefato. Mas nem teve tempo para conjecturar sobre isso, pois em seus pés aproximou-se furtivamente um pequeno gato negro.
-          Saudações, Karé. Tens, por acaso, alguma carne para invitarme? Estou faminta.
-          Quem é você, criatura? – disse Karé, a essa altura aparentemente já quase habituando-se a falar com animais – Parece-tes com uma onça, mas sois tão pequenino e negro!... És um filhote?
-          Oh... não seja bobo, Karé... não sou uma onça... – disse o gato, sem poder esconder que o engano o envaidecera – sou uma gata. Sou a segunda aliada do homem branco, e a minha virtude é a intuição. Vim precaver-lhe para que escutes ao teu coração, e não á tua mente.
-          Que dizes? – perguntou Karé, sem entender.
-          Digo-lhe que tomes cuidado com o que pensas. Nem sempre escolherás o melhor, pensando racionalmente. Conheces a Lua, Karé? – indagou a gata, esfregando-se carinhosamente em sua perna.
-          Sim. É a irmã do Sol.
-          “Irmã do Sol...” – repetiu a gata, pensativa e com certa ironia – a Lua é minha mãe, índio... aprenda com ela a ouvir teu coração. Adeus. – e foi-se, tão ou mais rapidamente do que o cão.
-          Espere! – gritou Karé, mas já era tarde. Só lhe restou continuar caminhando. E caminhou, até finalmente encontrar o que ele imaginou (acertadamente) ser o terceiro aliado do homem branco: tratava-se de um belíssimo animal que ele (talvez por ser ainda muito jovem) nunca havia visto. Era sem dúvida o animal mais bonito que ele já vira.
-          Olá, belo animal – disse Karé, aproximando-se – és muito bonito. Como te chamas?
-          Parece-me que já sabes que sou o terceiro aliado do homem branco – disse ele seriamente, analisando com curiosidade o pequeno jovem – sou um cavalo. Como terceiro e último aliado do homem branco, a minha virtude é a própria aliança. Vim aconselhar-te para que muito te acauteles com o tipo de barganha que tu fizeres. Lembra-te de que existem acordos que não podem ser desfeitos.
-          Lembrarei, lindo animal.
-          Se continuares a seguir por este caminho que te trouxe até mim, até nós, Karé, encontrarás ao imperador do homem branco – continuou o cavalo, com gravidade – tome muito, muito cuidado com ele, pequenino.
-          Imperador? – disse Karé, curioso – falarei, agora, com o chefe dos barbudos?
-          Sim – respondeu o cavalo – muito embora não seja de minha vontade que isso te ocorra. Por mim, te colocaria em minhas costas e te levaria para qualquer lugar do mundo que quiseres, apenas com a condição de que me alimentes, me dê de beber e escove meu pêlo. Mas teu destino é outro, filhote dos homens, e só me resta acatá-lo... por mais tristeza que isso me traz. – dizendo isso, virou-se e desapareceu a galope.

    E então - como o cavalo previra - Karé deparou-se com uma clareira em meio á floresta. Essa clareira tratava-se de uma estrada construída pelos homens brancos, e um homem vestido de negro fumava algo, sentado ao lado de onde uma estrada se dividia em três. Ele estava parado em uma encruzilhada. No ar, Karé sentiu um desagradável cheiro que lembrava á peixe em decomposição, e pairava ao redor uma opressiva atmosfera psíquica de rancor, angústia e solidão.

-          Olá, Karé... chega mais perto para falar comigo. – disse o estranho “homem”.
-          Você é o imperador dos homens barbudos? – disse Karé, cautelosamente.
-          “Imperador”?... – perguntou o homem, desatando-se a rir vulgar e estrepitosamente – quem foi que te disse isso, criatura? – disse ele, recompondo-se.
-          Um animal grande chamado “cavalo” – respondeu Karé – e ele parecia não gostar de você...
-          Sim, sim... – respondeu o ser com a mão em seu queixo, pensativo - quer saber quem eu sou, pequenino? Quer saber o meu nome?
-          Sim.
-          Sou o Demônio. Satã é o meu nome. Sou o primeiro dos caídos, criança... e, com certeza, também serei o último. – disse o diabo, com orgulho.
-          “Primeiro dos caídos”... – disse Karé, sem entender – o que significa isso, Satã? Não és o chefe dos homens brancos, como dissera o cavalo? Que fazes tu, afinal? – perguntou Karé. Como qualquer outro índio que não tivera contato com nenhum branco cristão, ele não conhecia o demônio. Jamais ouvira falar sobre ele. Satã, percebendo-se disso, pôs-se a rir ainda mais convulsivamente do que antes. E Karé, como não sabia com quem estava lidando, continuou o diálogo naturalmente e sem o menor receio. Para sua desgraça, ele já se havia esquecido dos conselhos dados pelos três animais.
-          O cavalo te disse a verdade, pequeno. Sou eu o imperador de o reino dos homens, e estou aqui para fazer-lhe um convite. Caberá a você aceitá-lo... ou não.
-          Pois então fale, Satã.
-          Não tens medo de mim, Karé?
-          Deveria, eu, ter?
-          Apenas escute, meu jovem: estou aqui para lhe oferecer um pouco de meu poder. Através de mim, poderás ser o maior caçador que já existiu. Que tal lhe parece?
-          De que forma, Satã? – perguntou Karé, sem disfarçar sua curiosidade – por acaso sois alguma espécie de pajé?... Sois algum tipo de feiticeiro?
-          Oh... oh... oh... – o demônio quase não conseguia se conter, surpreendido pela ingenuidade do índio – sim, Karé, sou um feiticeiro. E sou, também, de todos, o mais poderoso.
-          Podes me converter em o maior caçador destas matas?
-          Em verdade te digo que posso tornar-te em o maior caçador que já existiu... ou irá existir.
-          E que queres em troca?
-          Não muito... Apenas que ofereças teu corpo para mim, quando morreres.
-          Apenas isso? – disse Karé, desconfiado.
-          Sim.

    Súbito Karé lembra-se de instantes atrás, e de todas as conversas que tivera até então. Lembrou-se do cão que lhe dissera para não acreditar em belas palavras, da gata que lhe aconselhou a escutar sua intuição, e do cavalo que lhe preveniu sobre fechar acordos. Um arrepio percorreu sobre sua espinha, fazendo-o repensar.
-          Não estou interessado, Satã – disse Karé, resoluto – mui respeitosamente agradeço tua oferta, mas temo que irei recusar.
-          Não acreditas que tenho poder para dar-te o que te estou a afirmar, garoto? – perguntou o demônio, com exagerada e quase afetada soberba.
-          Não é isso – respondeu o rapaz – fizeste-me uma pergunta, e lha estou respondendo: minha resposta é não. Não estou interessado, senhor. Não, mesmo.
-          Pois muito bem – disse o diabo, levantando-se – estarei á tua espera... para quando mudares de idéia.

    E então o demônio desapareceu. Karé voltou para sua aldeia, e nada disse para ninguém a respeito das suas aventuras. Sentia uma enorme vontade de dividir seu segredo com alguém, mas achou melhor guardar tudo para si. E assim o fez.

    Os anos se passaram, e Karé tornou-se um índio forte e bonito. Admirado pelas mulheres, Karé também era respeitado pelos outros caçadores, que sentiam orgulho de fazer parte do mesmo grupo de caçadores do qual ele também estava.

    E tudo estava indo bem, até finalmente chegarem às proximidades de sua tribo os homens brancos com todas as suas desgraças. Os rios tornaram-se poluídos (os índios não sabiam que era mercúrio, e imaginaram ser sangue), e quase toda a tribo (principalmente os mais velhos) começou a ficar doente. Sarampo, rubéola, caxumba, varíola - e uma infinidade de outras doenças que atravessaram o mar - derrubaram os índios como frutas podres. Os poucos que restavam já não encontravam mais animais para caçar, nem peixes para pescar. Muitos dos índios aprenderam a beber com os brancos, tornando-se alcoólatras. Foi tudo muito de repente. Em pouquíssimo tempo toda a sua linda tribo transformou-se em uma vila indígena feia e miserável, com crianças órfãs morrendo de fome, e os poucos sobreviventes reduzidos a mendigos bêbedos, ou loucos. Foi tudo muito rápido. Um dia Karé despertou e percebeu que - de toda a sua tribo - só restavam ele e duas velhas índias. Todos os seus companheiros e familiares estavam mortos. Todos.

    Na última tarde de sua vida Karé recolheu as flechas que afiara pela manhã, apertou o nó de seu arco, e saiu para caçar a refeição para ele, Baru e Inté. Atraída pelo odor de sangue de o animal que Karé havia caçado, uma magricela e faminta onça abocanhou-lhe o pescoço, e Karé caiu para morrer. Estava tudo acabado? Não.

    Súbito Karé abre novamente seus olhos, e percebe que está novamente em aquela estrada, sente o mesmo cheiro de peixe estragado, e aquele senhor de altivo e terrível aspecto que se denominava “Satã” estava mais uma vez á sua frente, sorridente. Karé olhou para si mesmo e viu que ainda era um garoto. Tudo o que ele vivera desde aquela tarde em que encontrou os animais, até o momento de sua morte, havia sido apenas um sonho. Mas fora tão real!...
Karé chorava, confuso, até que o demônio lho interrompeu, dizendo-lhe:
-          E então, Karé... que tal lhe parece teu destino?
-          Meu destino? – perguntou, confuso.
-          Sim. O que vistes não fora apenas uma ilusão. Trata-se de teu futuro. Vistes exatamente como as coisas sucederão... a menos que faças o trato comigo.
-          Se fizer o trato contigo, nada daquilo sucederá? – perguntou Karé, atônito – de quê forma?
-          Da forma como tu quiseres, criatura. A mim não me importa o que pedires. Poder, magia... escolhe o que quiseres. Posso matar aos brancos que representarem perigo ao teu lar... posso tornar tua gente imune ás doenças... posso dar-te qualquer coisa que quiseres. Até mesmo mudar esse teu desgraçado destino. Tudo o que tens a fazer é entregar-se a mim, depois de tua morte.


    Karé lembrou-se de tudo: Das crianças deformadas pela varíola, do gemido dos velhos moribundos, dos gritos das mulheres que restaram, abandonadas e famintas. Toda aquela desgraça passou por sua mente, fazendo-o cair de joelhos em lágrimas, sem poder se conter.
-          Não, não, não... nada daquilo pode acontecer... eu imploro... nada.
-          Quer dizer que aceitas meu trato? – perguntou o diabo.

    Karé enxuga suas lágrimas e olha para o perverso ser. Percebe, então, que aquele asqueroso cheiro que sentia provinha dele. Lembra-se de os animais, e do conselho que - desinteressadamente - lhe deram. Karé lembra-se da lua: O que diz seu coração?
-          Não. – Diz Karé, olhando diretamente para o demônio.
-          Como?
-          Minha resposta, mais uma vez, é não.
-          Tens certeza disso, mortal?
-          Sim.
-          Como quiser.

    O demônio vira-se para trás e – aparentemente - sai caminhando normalmente. Quando Karé vira-se instintivamente para outro lado e torna a mirá-lo, o demônio se havia transformado em uma espécie de redemoinho que girava furiosamente, até desaparecer por completo. Karé voltou para sua tribo completamente abalado - sabendo de tudo o que aconteceria - mas aceitou seu destino. Escutara seu coração, e ele lhe havia dito para que assim o fizesse.

Epílogo


   Karé realmente vivera tudo do mesmo jeito como o demônio lho havia mostrado. Tudo. Entretanto, em seu coração havia uma espécie de resignação, alguma coisa misteriosa que era como uma sensação inexplicável de que tudo teria um propósito, ou de que ao menos tudo poderia ser recompensado – ou explicado - por algo, posteriormente. Não obstante, Karé passou o restante de sua vida perguntando “por quê?”: Por que sua tribo teve de ser dizimada? Por que tantos inocentes morreram de forma tão cruel? Mas, evidentemente, Karé ficou sem entender tudo isso, até o derradeiro momento de sua morte. Até o derradeiro instante em que ele fora abatido por aquela onça.

    Karé fechou os olhos, lembrou-se do demônio, e sentiu muito medo. Medo de que ele aparecesse novamente com mais uma das suas propostas. Mas ele não apareceu.   
    Mas nenhum ser vivo poderá saber para onde Karé foi, ou com quem se encontrara ele, depois de sua morte. Ninguém fora testemunha de tal fato.
    Mas qualquer ser humano - seja ele índio, preto ou branco – perceberá que - mesmo depois de todo esse sofrimento - ainda há lugar para - em meio á floresta - os pássaros cantarem alegremente ao nascer do Sol:

Como uma não-verbalizada promessa de que nem tudo está perdido.
Como uma sutil mensagem de esperança.

Finis Operis.





“Para Dios tu vida de um segundo vale por décadas enteras;
para El no existe el tiempo, y solo valora el sufrimiento.
Ven a celebrar la fiesta de Todos los Santos con nosotros.”

Marcel Scwob, “El Zueco”




“Hush, little one...
it`s not so terrible.
Just let go of the flesh...
of the pain.
Fear not... for the universe is kind.”
Allan Moore, “Southern Change”